Nárnia é uma daquelas histórias fantásticas que transcendem os limites da fantasia e encantam gerações. Assim como O Hobbit, é um livro que foi escrito para crianças, mas que, devido a sua complexidade e criatividade, continua a envolver adultos e nos leva a todos ao mágico mundo de Aslam. E é por isso que não poderia estar de fora de nosso especial da semana das crianças.
Todos sabem que as melhores histórias infantis são aquelas que divertem as crianças, mas arrebatam e emocionam os adultos. É por isso que os filmes da Pixar, tão cheios de filosofia e mensagens para a vida toda, são tão aclamados e adorados mundo afora, enquanto outros filmes infantis acabam destinados ao esquecimento da Sessão da Tarde. De maneira semelhante, é por isso que Nárnia é lembrada até hoje. Com 7 pequenas fábulas – o maior livro não passa de 230 páginas, e isso contando ilustrações -, as Crônicas poderiam ser apenas histórias de dormir, e, tratando-se de crianças, não precisaria ser imensamente inteligente ou criativo; podia ser só uma historinha de Sessão da Tarde que cairia no esquecimento da prateleira, e só seria lembrado, talvez, na hora de vender um livro para o sebo ou de contar a história novamente para os filhos, ou os netos. Mas C. S. Lewis não se contentou com isso. Trouxe encantamento, emoção e magia suficiente para fazer homens e mulheres de todas as idades abrirem as primeiras páginas e mergulharem de cabeça no mundo de Nárnia. Um clássico atemporal nascia e encantava gerações através de décadas e décadas.
Suas 7 histórias – conectadas apenas pelos personagens e pelo mundo – funcionam de maneira livre e espontânea, afinal, Lewis jamais planejou transformar Nárnia numa saga. Foi escrevendo à medida que as ideias chegavam. E, dessa forma, organizou 7 grandes aventuras, cada uma com traços de parábolas e outros contos éticos e morais. É notável a influência que a Bíblia e a religião cristã como um todo teve sobre a escrita de Lewis, e isso é perceptível, por exemplo, no sacrifício e na ressurreição de Aslam em “O Leão, A Feiticeira e O Guarda-Roupa”; ou no papel que a Feiticeira Branca exerce, atuando como o Diabo corrompendo a alma do inocente Edmundo, que pode ser muito bem comparado a Caim. E há, obviamente, outras inúmeras referências que podemos citar ao longo dos sete livros – Aslam até mesmo admite em certo ponto que, no nosso mundo, ele é apenas conhecido por outro nome -, mas é algo tão denso que precisaríamos de um ensaio inteiro para explorar. É claro que, nos dias de hoje, a inclusão de elementos religiosos em ficções, principalmente em histórias infantis, é um assunto polêmico tanto para religiosos quanto para ateístas, mas não podemos negar que Lewis tratou estas questões com tanto encantamento que se tornou visível sua real intenção: ensinar o amor. Mesmo que tenha escorregado em suas mensagens às vezes – como, por exemplo, colocar como vilões os calormanos, homens morenos que acreditam no deus Tash (e são muitos parecidos com os árabes islâmicos de nosso mundo), e consequentemente transmitindo uma ideia de intolerância religiosa -, Lewis procurou sempre se concentrar no amor, e ensinar que a esperança é a maior das dádivas.
O cristianismo influenciou até mesmo nos dados geográficos da confecção de Nárnia, procurando reencenar tanto o Gênesis – em “O Sobrinho do Mago” – quanto o Novo Testamento – em “O Leão, A Feiticeira e o Guarda Roupa” – e o Apocalipse – em “A Última Batalha”, retratando a destruição do mundo corrompido de Nárnia e apresentando a “verdadeira” Nárnia, o eterno mundo do paraíso -, além de várias fábulas bíblicas nos outros livros. Este é um fato impactante não só do ponto de vista narrativo, mas também do mitológico: existe a criação de um mito, um mundo novo, assim como Tolkien fez com sua Terra-Média. Daí o porquê de Nárnia ser uma saga tão complexa, digna de uma análise completa. Daí o motivo de encantar tantos adultos até hoje, transcendendo os limites das fantasias de crianças.
Nárnia traz um mundo mágico, mas não só isso. Traz também lições de moral para a vida toda. É capaz de fazer uma criação pular de empolgação, e um adulto chorar de emoção. É uma daquelas histórias que carregamos pelo resto da vida, que nos marca e nos mostra o que o mundo pode ser. O tipo de história que nos traz esperança. E é por isso que é tão marcante. Não é só uma história de crianças; muito além disso. É uma história de fé, esperança, vida e morte. Um mundo tão cheio de encantamentos que é uma pena que só o alcancemos em sonhos.
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É uma história tão complexa que mal dá para imaginar que é infantil! O padrão do do “infanto-juvenil” fora do BR é de deixar inveja!