“12 Angry Men” (“Doze Homens e Uma Sentença”, no original) é um filme que me chocou. Baseado na peça de mesmo nome de Reginald Rose (que inclusive teve uma curta temporada no Rio de Janeiro em maio deste ano), o filme não só é considerado um dos melhores já feitos por inúmeros críticos e organizações de cinema, como também é um dos mais importantes dramas políticos do século XX, trazendo à tona uma discussão que ainda é muito atual.
“Doze Homens e Uma Sentença” começa com o julgamento de um jovem de 18 anos, acusado de matar o próprio pai. Se for condenado, será sentenciado à cadeira elétrica. Após a apresentação das evidências e das testemunhas, sua culpa parece inegável, e cabe aos doze jurados decidir seu destino, com a orientação de que a votação deve ser unânime. Onze deles, cada um com sua razão, votam pela condenação. Apenas um deles acredita na inocência do garoto – e a partir daí começamos uma jornada através dos preconceitos de nossa sociedade, um mais chocante que o outro.
“12 Angry Men” prova com louvor que merece o status de clássico. O filme já começa com dois planos-sequências absolutamente estarrecedores, em especial o segundo. Mais estarrecedor ainda é que não só estas cenas fantásticas como o filme todo foram realizados por um diretor iniciante – “Doze Homens e Uma Sentença” é o filme de estreia de Sidney Lumet, que de cara já mostrava o talento com que conduziria sua carreira de mais de 50 anos. Com sua direção confiante e o roteiro magistral adaptado da peça de Rose, Lumet nos guia em uma análise simplesmente perfeita do quão cruel é o senso comum.
O filme prega o conceito de “dúvida razoável” – quando nossa certeza não deveria ser tão certa assim. Somos todos muito dispostos a julgar fatos através de nossa visão unilateral e preconceituosa, e quantas vezes essa visão não causou catástrofes? Mortes, genocídios, destruição, e, principalmente, comodidade com a situação social que vivemos? O filme analisa várias as ideias tidas como “normais”, até mesmo “aceitáveis”, mas que, no fundo, são desumanas.
A visão conservadora segrega e condena cegamente a todos aqueles que não correspondem às normas da nossa sociedade. As classes mais baixas são vistas como indignas, até mesmo merecedoras de toda a miséria – tanto econômica e social como física e psicológica – que sofrem. Se dependesse de determinados personagens, o réu seria condenado principalmente por ser pobre e ter crescido numa favela, e, portanto, ser “mais propenso ao crime”. Expressões como “essa gente” e “essa laia” são comuns ao longo do filme, expondo todo o preconceito imundo de seus personagens – e, sejamos sinceros, quantos de nós já não pensaram o mesmo? Quantos de nós não são igualmente cruéis com as minorias? Quantos de nós não são igualmente hipócritas quanto o personagem que clama que “os pobres são ignorantes, sabem nem falar inglês”, cometendo nesta mesma frase um erro de concordância? Há preconceito até mesmo contra os imigrantes, e inclusive uma passagem que possivelmente faz referencia à homofobia. Vários tipos de preconceito são abordados, todos baseados no senso comum, mas o que mais recebe destaque é o contra os carentes, pessoas que não tiveram, não têm e, se depender do senso comum, nunca terão uma chance na vida.
“Doze Homens e Uma Sentença” mostra como essa mesma sociedade que julga e aponta o dedo é medíocre. Mostra como segregamos e condenamos os miseráveis. Mostra como nos tornamos frios e desumanos, como a morte se tornou comum, banal e fácil. Um personagem chega a dizer que quer resolver logo o caso, mandando o réu pra morte, para poder assistir seu jogo de baseball. Outro faz piada o tempo todo. Outro comenta sobre seu emprego perfeito e os esquisitões de seu trabalho. Um grupo até mesmo decide simplesmente parar de prestar atenção na discussão sobre a inocência do réu para brincar de um jogo. A verdade é que os valores de nossa sociedade, os homens de bem, a assim chamada família americana (modelo que vale também para o Brasil), se sustentam sobre os corpos das minorias, que, segundo a ala conservadora, jamais serão aceitas. Jamais serão “comuns”, jamais terão os mesmos direitos, a mesma simpatia que nós, os “normais”. As minorias só existem, muitas vezes para serem reprimidas e culpabilizadas.
Mas “Doze Homens e Uma Sentença” não é só uma análise perfeita do preconceito social e do senso comum, como também é um genial drama psicológico com tons de suspense político, com um roteiro incrível e reviravoltas imprevisíveis. Os diálogos, intensos e bem construídos, cativam nossa atenção, tornando impossível desviar os olhos. Os argumentos, tanto daqueles que votam pela condenação quanto daqueles que votam pela inocência, são tão geniais que chegam a tirar nosso fôlego. Cada momento é, ao mesmo tempo, um soco no estômago e uma explosão cerebral. Ao longo de todos os seus 96 minutos, “12 Angry Men” nos pega pelo pescoço e não nos larga. É preciso ter nervos de aço para aguentar este filme sem sentir o coração acelerar.
Me abstenho de dar uma nota para este filme. A maestria de “Doze Homens e Uma Sentença” não pode ser resumida em nenhum 10. “Doze Homens e Uma Sentença” me deixou pasmo do início ao fim. Muitas vezes, ao longo do filme, eu me senti à ponto de chorar de ódio, de revolta, de nojo, e, por fim, de pena, pela mediocridade do pensamento preconceituoso dos personagens. Me revolta mais ainda que aqui, no mundo real, muitas pessoas pensem do mesmo jeito, exatamente com os mesmos preconceitos. E o meu nojo é exatamente o mesmo. Para vocês, que acreditam que bandido bom é bandido morto, que desdenham quando dizemos que a violência nasce da pobreza, que julgam com base no senso comum e pulam no pescoço das minorias: vejam “Doze Homens e uma Sentença”. Vejam o outro lado do seu bem estar social. Vejam do que o mundo real é feito. Vejam se estas mesmas pessoas que todos parecem tão empolgados em julgar e condenar não merecem o benefício da dúvida, ou ao menos a esperança da recuperação.
http://www.youtube.com/watch?v=x28qwqJvk-o
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