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Uma noite de crime – o instinto humano elevado à enésima potência

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O filme Uma noite de crime possui o título original The Purge, cujo significado é “o expurgo”.

Para quem não sabe, “expurgo” significa (de acordo com o dicionário online priberam):

1. Purgar completamente.
2. Limpar.
3. Purificar.
4. Separar o que é mau, nocivo ou inútil.
5. Descascar.
6. Esburgar.
7. Limpar (escritos ou livros) de erros, de doutrinas perniciosas, do que não convém à Igreja católica ou aos governos.
8. [Figurado] Polir, aperfeiçoar.
9. Apurar-se, polir-se.

E é exatamente sobre essa limpeza neomalthusiana de que o filme se trata. Mas, antes de entrarmos na análise, cabe aqui uma explicação simplória (tão simplória que se pode ser encontrada na Wikipédia) acerca do que são os neomalthusianos:

“Para os neomalthusianos, o intenso crescimento populacional seria o responsável pelo avanço da fome e da pobreza (subdesenvolvimento de um país).

Com a velha aceleração populacional, voltaram a surgir estudos baseados nas ideias de Malthus, dando origem a um conjunto de formulações e propostas denominadas Neomalthusianas.

Novamente os teóricos explicam o subdesenvolvimento e a pobreza pelo crescimento populacional, que estaria provocando a elevação dos gastos governamentais com os serviços de educação e saúde. Isso comprometeria a realização de investimentos nos setores produtivos e dificultaria o desenvolvimento econômico.

Para os neomalthusianos, uma população numerosa seria um obstáculo ao desenvolvimento e levaria ao esgotamento dos recursos naturais, ao desemprego e à pobreza.

Afirmam também que é possível melhorar a produtividade da terra com uso de novas tecnologias, e que é possível reduzir o ritmo de crescimento da população através do planejamento familiar.”

Agora sim, finalmente, poderemos entrar na história do filme, que é a seguinte:

Após uma crise econômica ferrenha nos EUA (em um futuro bem próximo), o governo lança uma lei liberando, durante 12 horas de um determinado dia do ano, todo e qualquer tipo de crime, a fim de estabilizar a economia eliminando a pobreza e outras mazelas.

Ora, a estratégia parece ter uma lógica bem perversa por detrás, veja: se um grupo de pessoas tem dinheiro, esse grupo poderá bancar sua segurança durante essas horas de crime liberado; e, por outro lado, os grupos que são economicamente desprivilegiados, obviamente, não terão recursos para bancar sua segurança e, por consequência disso, morrerão, fazendo com que a pobreza e a miséria também morram junto com elas (ou que, pelo menos, diminuam).

Isso é, nada mais, nada menos, exatamente o que já se passa nos dias atuais. Diariamente, assistimos a diversos tipos de Expurgo, não somente por 12 horas, mas sim 24 horas por dia (especialmente em lugares com profunda desigualdade social e outros problemas econômicos). A negligência (em relação à segurança), a brutalidade e a letalidade do Estado compõem nossas noites e dias de crime, produzindo uma realidade de vulnerabilidade das massas como forma de, aos poucos, expurgá-las da sociedade.

Mas quem promove o Expurgo? E por quê?

Então, agora se faz importante saber outro conceito, um conceito da filosofia e (pasme-se) da literatura: o naturalismo. Veja suas definições:

Da filosofia:
“doutrina intelectual (p.ex., o marxismo, a psicanálise ) que busca em condicionamentos biológicos, inclinações ou necessidades orgânicas, a origem das manifestações culturais, institucionais ou psicológicas da humanidade.”

Da literatura:
“tendência literária do final do sXIX, caracterizada pela total objetividade do autor com relação à realidade, isenção de ideias preconcebidas e representação precisa e detalhada daquilo que observa [Os escritores dessa escola eram influenciados por conceitos advindos da biologia.]”

Resumindo: instinto. O homem promove o Expurgo, pois ele possui esaa coisa chamada instinto (E, incrementando essa gama filosófica, não poderia faltar uma pitada de Thomas Hobbes, afinal, toda distopia que se preze traz o conceito de que o homem é o lobo do homem).

A equação do filme parece, assim, perfeita:

Naturalismo + Hobbes = instinto + egoísmo predatório = Uma Noite de Crimes.

E as motivações podem ser diversas: racismo, preconceito quanto a status social, inveja, dramas amorosos ou familiares, conflitos de território ou de recursos, etc. E tudo isso encontra-se presente no filme.

Por fim, a sociedade havia se estabilizado quando ela finalmente aceitou sua natureza violenta, reservando um dia especial para poder liberar seu instinto enrustido.

Atualmente, essa liberação acontece todo dia, pois todas as noites são noites de crime.


Mione Le Fay é carioca, formada em Jornalismo. Escritora, professora de informática, apresentadora e produtora de eventos. Apaixonada por livros e fotografias, encontra nesses nessas duas artes uma forma de mostrar tudo o que existe em seu mundo.

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