Bom, tentarei construir esta resenha sem muitos spoilers sobre a história em si – apesar de talvez não poder fugir de alguns… Uma vez que a autora, Chiara Ciodarot, criou de fato uma história cativante e cheia de detalhes que merecem ser mencionados…
Então imagine se você ficasse sem ver a sua melhor amiga por dias e de repente ela retornasse com uma novidade inacreditável sobre a vida pessoal dela? Algo risível e fantasioso, mas que ela te jura ser verdade e se chateia se você acha engraçado… E se tua amiga jurasse para você estar namorando um vampiro real? Se ela afirmasse isso falando sério, pedindo que você acreditasse nela?
Pois esta é a questão de Thaís – Tatá para os íntimos, como eu me tornei facilmente – neste livro simpático, bem elaborado e nada pueril, com uma boa dose de humor inteligente e um texto acessível e descolado que quando se começa a ler só se consegue parar no final, e te arranca gargalhadas quer você esteja lendo em casa, numa fila, na faculdade, no ônibus, no metrô, no intervalo do almoço…
Como universitária, e uma moça sensata e racional Tatá acredita piamente que sua amiga Marianne conheceu um cara que se passa por um vampiro para conquistar sua impressionável amiga, e passa a fazer de tudo para tirar a história a limpo, querer levantar a ficha criminal dele, e provar para Mari – como Tatá a chama – que ela estaria sendo ludibriada… A questão é, e se for verdade?
Basicamente será com deste jogo de possíveis verdades ou possíveis impressões, com acontecimentos e reviravoltas muito bem elaboradas, e personagens especialmente cativantes e bem construídos, que o livro se conduzirá. Através do ponto de vista da Tatá, que a princípio nos passa uma personalidade indiferente, irônica e mal-humorada, mas de um jeito realmente engraçado, e vai a cada página conquistando mais e mais o leitor, fazendo nos identificarmos de maneira única com seu jeito de ser e pensar à medida que a autora nos faz literalmente estar dentro da cabeça da personagem todo o tempo, e nos divertimos com seu senso crítico apurado nas situações mais inusitadas, tanto como lidarmos juntamente a ela com suas muitas dúvidas, surpresas e descobertas a cada página.
A leitura ainda transportará o leitor à uma gostosa história que em alguns momentos pensaremos se passar na década de oitenta com todo seu saudosismo e atmosfera aconchegante, pois há bastante referências à clássicos vampíricos das últimas décadas mescladas à séries mais atuais. Porém ao mesmo tempo trazendo uma modernidade notória e menção a elementos do cotidiano que nos trazem “de volta” e todo o tempo nos lembram que a narrativa se passa na época atual.
Interessante averiguar que definitivamente Thaís e Marianne não são o mesmo tipo de garotas, possuindo personalidades e interesses tão diferentes quando o dia e a noite, mas realmente são amigas leais e se importam de verdade uma com a outra.
Algo que gostei bastante foi o fato de que apesar de estar ativa na história o tempo inteiro, Thaís dialoga diretamente com o leitor durante toda a narrativa, como se às vezes boa parte da história fosse um grande bate papo dela conosco, o que nos faz devorar o livro e nos deixa bem à vontade para estarmos dentro de seus pensamentos tão críticos quanto hilariantes. Como quando ela estaria próxima de conhecer o tal namorado vampiro da amiga e fica pensando se ele teria todas as características de um “vampiro do cinema”, encerrando sua colocação sobre tal questão dizendo que “se ele brilhasse como purpurina ela não ia ter mais qualquer respeito pela figura do vampiro na nossa cultura”.
Ou quando as duas vão à um parque de diversões – onde muitas coisas acontecem, as quais não contarei aqui – e Tatá faz mais um de seus questionamentos ironicamente bem colocados, onde observamos até mesmo a presença de uma metalinguagem textual: “Cheguei a pensar que aquilo era alguma releitura pós-moderna de Os Garotos Perdidos. Um filme muito legal, por sinal, para um filme de vampiros…(…)
Nada poderia ser pior do que uma imitação fracassada dos anos 80 senão os próprios anos 80.”
Uma pequena crítica bem humorada à certos costumes muito comuns, também não me passou despercebida e achei-a de fato tão brilhante quanto sutil em trechos que Tatá tece comentários como: “ele deveria estar pensando que mulheres não comem! Vivemos apenas de amor e salada!” (…) “Afinal, mulheres não vomitam – a menos que grávidas, o que dá ao vômito estatos de ambrosia…” (…) “Também não arrotam, não cagam e nem soltam pum. Somos perfeitas…”
Interessante vermos que em todas as cenas em que os tais vampiros da história aparecem, eles conseguem prender perfeitamente nossa atenção – há inclusive vampiros distintos para gostos distintos, nem eles são iguais, agradando diferentes tipos de leitoras com eficiência. E os “sintomas” do vampirismo estão todos ali, mas a narrativa possui um significativo diferencial de manter sempre a atmosfera de dúvidas através do próprio ceticismo da protagonista e até mesmo quando sua racionalidade é posta à prova.
Dúvidas da Thais e certezas de Marianne… Onde nós leitores nos sentimos por vários trechos assistindo à uma série daquelas viciantes e nos perguntando à cada cena coisas como: Será que ele leu mesmo o pensamento dela? Será que ele hipnotiza mesmo ou é coincidência? Ela sentiu uma “uma impressão estranha” quando ele a olhou… Será que ele estava usando algum instinto vampiríco ou era coisa da cabeça dela…? Será que ele esperou escurecer para sair ou foi ao acaso? Enfim… O tipo de texto que te faz não largar até conseguir respostas…
As expressões criativas utilizadas pela autora também merecem ser notadas com atenção durante a leitura, tais como “anêmica de amor doado”, “desembocarmos no útero pulsante da noite”, e outras ótimas divagações metafóricas da Tatá que evitarei mencionar mais aqui.
A visão que a personagem possui de si mesma também merece atenção e ajuda a criar uma personalidade cativante apesar de ela mesmo se definir como alguém considerada mal-humorada sendo apenas um fruto de suas próprias experiências, as quais a teriam tornado durona e desconfiada. De fato até o final do livro, mesmo aqueles que implicam com personagens femininas com personalidade forte, conseguem compreender bem a Tatá e as tais experiências que moldaram seu jeito de ser…
No mais – e sem dar spoilers – ainda sobre personagens que para mim se destacaram, não posso encerrar este texto sem dizer que futuras leitoras devem ficar atentas à um certo personagem chamado Günter, vulgo “Nórdico”… Tal qual devem prestar atenção também à cenas ocorridas em festas, boates e bares frequentados pelas meninas no decorrer da trama. Mais não posso dizer, mas garanto que lhes valerá à pena saber…
Quanto à estrutura do livro gostei bastante de como os capítulos são divididos em ATOS, fazendo jus ao título da obra. E as citações de filmes vampirícos famosos na abertura de cada capítulo são um charme à parte, e ao mesmo tempo mostram como a autora fez seu caminho de pesquisa para contar bem a história a qual se propõe, ao mesmo tempo servindo como um registro para que leitores mais novos – talvez os fãs apenas de Crepúsculo, creio – possam ter mais referências para buscar outras fontes de conhecimento e divertimento envolvendo vampiros.
Algumas referências literárias bastante interessantes fora do vampirismo também são feitas e podem funcionar como ótimas dicas de leitura para quem não conhecer, como menções rápidas à James Joyce, Ulisses, Álvares de Azevedo, Edgar Allan Poe e Charles Baudelaire… Como também algumas referências musicais citadas por Thaís na narrativa também valem ser buscadas após a leitura do livro.
Termino afirmando que Teatro de Vampiro é um livro para apaixonar tanto haters da saga Crepúsculo – como esta que voz fala – quanto as pessoas que são lovers. E vale ressaltar que TDV faz parte de uma coleçao de tematica sobrenatural, ainda em andamento que a autora pretende chamar Black Rose. E já temos uma previsão também para Teatro de Vampiro 2, então fiquemos ligados! Mais detalhes possivelmente em www.chiaraciodarot.wixsite.com/chiaraciodarot
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