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Poesia no Morro: Slam do Topo

– Cobertura completa do evento e entrevista com o Poeta Rennan Leta –

Se eu pudesse acabava com a dor,
se eu pudesse só existia o amor,
eu pegava a maldade do mundo,
e trocava por poesia.”
(Contramestre Barata)

No sábado, 27 de abril, o blog No Meu Mundo foi até o Alto da Boa Vista conferir de perto o sarau de poesia e o Slam do Topo, que tinha no comando o poeta Rennan Leta. O sarau foi aberto com uma ladainha (oração) capoeirista, com Josy Ribeiro Fênix no Berimbau e no canto, seguindo com músicas de capoeira que embalaram o início do evento.

Depois, para dar sequência ao evento, houve a recitação de poesias, abrindo com o estudante Felippe dos Santos e seu poema Dois Cigarros; em seguida, o poeta e música Um Favelado Qualquer declamou, brilhantemente, sua poesia marginal Presente, que é uma poesia de resistência, falando da realidade dos negros e pobres na favela, dando enfoque ao racismo e às dificuldades de ascensão social; em seguida, o anfitrião, Rennan Leta também acabou dando uma palhinha, recitando alguns de seus versos. E, para animar e, ao mesmo tempo, embalar a galera num clima de reflexão, o poeta W-Black cantou suas músicas, que eram mais como poesias, em tom de protesto e resistência.  

Tão logo anoiteceu, os jurados foram selecionados entre a plateia e deu-se início à competição de poesia, o Slam. Definitivamente, uma poesia após a outra, prendia e conquistava a atenção de quem estava ali assistindo – as pessoas chegavam até a vibrar com alguns dos versos declamados (alguns desses versos, inclusive, soavam como tapas na cara). Por fim, após o deleite poético, Um Favelado Qualquer e Roberto Silva foram os grandes finalistas, tendo Betinho como o grande vencedor da noite.

Por fim, para encerrar, houve uma batalha de rima, super interessante e engraçada, que acabou colaborando ainda mais para que o evento fosse o sucesso que foi: numa simples quadra de comunidade, no topo do Alto da Boa Vista, pessoas compartilhando arte de qualidade.

A seguir, confira a entrevista com o poeta Rennan Leta, fundador do Slam do Topo e do Favela em Desenvolvimento.

No Meu Mundo: O que é exatamente o SLAM e o Favela em Desenvolvimento?

Rennan Leta: O Slam é uma competição de poesia falada que surgiu nos Estados Unidos e no Brasil, começou em 2008, em São Paulo, através da Roberta Estrela Dalva; começou tem só 10 anos como um movimento de teatro. Em 2012, o Emerson Alcalde, poeta de São Paulo levou o Slam para as ruas, na zona leste da cidade – mais precisamente ao lado da estação de metrô da Guilhermina – mantendo o evento lá até hoje. Enfim, é uma competição de poesia falada com total liberdade de expressão, havendo notas que são dadas por jurados. Hoje em dia, há diversos tipos de Slam – como Slam que limita tempo para falar, slam que é só com mulheres, outros que são só de poesias de amor etc. Enfim, o Favela em Desenvolvimento é uma ONG que surgiu de uma ideia minha de abrir uma biblioteca comunitária aqui. Além da biblioteca, eu ia dar oficinas de desenvolvimento de técnicas de escrita. Em maio do ano passado, eu consegui o apoio de uma escola, a Santa Marcelina, só que não consegui botar para frente, porque ninguém aqui da comunidade apoiou. Cheguei a arrecadar muitos livros e consegui fazer a biblioteca, só que não tinha ninguém para ficar, para registrar a entrada e saída de livros por exemplo. Hoje em dia, os livros que eu arrecadei, eu distribuo nos slams e outros eventos – tem até uma caixinha aqui na comunidade onde deixo livros para as pessoas que quiserem pegar. Quando foi final do ano passado, mais quatro amigos se juntaram a mim e começaram a me ajudar a tocar a ideia para frente, para abranger a “coisa”, implementando mais projetos sociais na favela.

No Meu Mundo: De onde veio essa ideia de criar o Slam aqui no morro?

Rennan Leta: Eu conheci o Slam no ano passado e me apaixonei, me encantei. É uma energia surreal, muito boa. É um aprendizado muito grande, mesmo quando você perde, você ganha. É uma troca de experiências, porque pessoas que geralmente não estão em posição de destaque acabam virando protagonistas, e o que elas têm para falar – que é a realidade mesmo, do país, da favela etc – é muito importante de se ouvir, porque não é como ouvir de um repórter na televisão, que vai lá na favela e conta o que acontece; ali, você está ouvindo coisas de quem vive lá no seu dia a dia. Além disso, na minha favela não tem nenhum evento cultural, então, eu quis fazer alguma coisa nesse sentido e acabei fazendo o primeiro Slam ano passado, em agosto de 2017, aí fiz três edições no total, uma agosto, outra em novembro e outra em dezembro.

No Meu Mundo: Para você, qual é o principal objetivo do Slam?

Rennan Leta: É espalhar ideias que precisam ser ouvidas e que precisam estar na mente, principalmente dos jovens de favela.

No Meu Mundo: Como você acha que o Slam pode contribuir para a sua comunidade?

Rennan Leta: Mostrando que tem outros caminhos sem ser o do crime e de outras coisas erradas.

No Meu Mundo: O evento colabora de alguma forma com a sua obra literária?

Rennan Leta: Muito. Demais. Costumo dizer que, a cada Slam que eu vou, é uma faculdade que eu faço.

No Meu Mundo: E, a propósito, você já tem quantos livros lançados?

Rennan Leta: Lançado, eu tenho um, que é o livro Palavras no Mundo, que eu lancei em fevereiro de 2017. Eu tenho um que já está pronto, que vai se chamar Palavras de (Des)amor e que vai ser só de poesia romântica e textos românticos – não só poesia; já está em 120 páginas e está pronto, só que estou vendo ainda uma editora para lançar. E já estou escrevendo um terceiro livro, que vai se chamar Palavras do Axé, só com poesias sobre tolerância religiosa e, enfim, essas coisas.

No Meu Mundo: Além disso, você tem mais algum trabalho ligado à poesia?

Rennan Leta: Tenho sim. Eu trabalho no canal [do youtube] Palavras do Mundo. Na verdade, Palavras no Mundo, meu primeiro livro, começou como uma página no Facebook, em 2015, e, da página, virou livro e, do livro, virou canal no youtube também. Lá, eu gravo textos de outros poetas, textos meus; enfim, faço um trabalho totalmente ligado à poesia, com dicas de leitura e muitas outras coisas só ligadas ao mundo da literatura – Palavras no Mundo está no facebook, no youtube e no instagram; faço postagens recorrentes.

No Meu Mundo: Quais foram as dificuldades encontradas para chegar até onde você chegou e, hoje, se consolidar como um poeta?

Rennan Leta:  Acho que a gente não tem muito apoio. Antes, eu costumava usar um termo que, hoje, considero errado, que é: “damos voz a quem não é ouvido”. Na verdade, nós não damos voz a ninguém – a pessoa já tem voz, – apenas damos o espaço para ela mostrar a voz que já tem. E a dificuldade é exatamente essa: ter mais espaço para fazer minha arte. Normalmente, eu trabalho no trem e no metrô, fazendo poesia, vendendo livro e, também, em escolas, dando palestras e colocando meu livro como conteúdo pedagógico. Falta sim algo do tipo, por exemplo, como num barzinho que tem voz e violão, poderia, além de um show desses, ter um poeta; falta esse espaço para alavancar, porque é muito difícil viver no país como um artista; além da crise que está aí em todas as áreas, fica ainda pior para o artista; então, a última coisa que o pessoal vai pensar é na arte; tanto é assim que, no ano passado, se não me engano, foi cortado 1 bilhão e meio de investimento em cultura no estado do Rio de Janeiro; além disso, nós não temos, no estado, hoje, uma lei cultural – isso vai ser conseguido ainda; a gente, para conseguir um edital, é muito difícil; até mesmo em empresas privadas não se vê muito isso; apesar de que há o Sesc em São Paulo, que realiza muitos circuitos, muitos eventos, tal como o Slam BR, que é o campeonato brasileiro de poesia falada. Já no Rio de Janeiro, não se vê muito isso. Então, o maior obstáculo é esse: conseguir os meios de viver da minha arte.

No Meu Mundo: Desde que você começou o seu trabalho, até hoje, quais foram os sucessos?

Rennan Leta: Acho que sucesso é relativo. Por exemplo: eu sou da favela e, aqui, não há ninguém – que eu saiba – que tenha publicado um livro também; além disso, eu tive um texto publicado na revista Filmes, que é uma revista internacional de literatura, – ela roda na América Latina toda; eu tive meu livro citado num portal internacional como uma das onze produções de pessoas vindas de favelas; tenho, também, conseguido, entre vendas e doações, bem mais de 450 exemplares vendidos – sem os ter colocado em livrarias. Tem também a questão de sucesso na intern


Mione Le Fay é carioca, formada em Jornalismo. Escritora, professora de informática, apresentadora e produtora de eventos. Apaixonada por livros e fotografias, encontra nesses nessas duas artes uma forma de mostrar tudo o que existe em seu mundo.

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