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V de Vingança e sua Londres brasileira: dos protestos de 2013 às eleições de 2018

Inspirado na história de Guy Fawkes, que em 1605 participou de uma conspiração para explodir a parlamento inglês, conhecida como a “Conspiração da Pólvora”, um homem sob uma máscara arquiteta plano semelhante numa Londres distópica, em que há em curso uma ditadura liderada por Sutler.

O homem sob a máscara se autointitula “V”. Essa é a maneira como se apresenta à doce e temerosa Evey, quando ele a salva de agressores que a tentam violentar no momento em que ela sai de casa, durante o toque de recolher, já tarde da noite. A garota o questiona sobre o uso da máscara, mas ele justifica que o importante é “lembrar do nome, não do homem, pois o homem falha”.

Sobre o contexto distópico, a Londres que se apresenta é bem diferente da que conhecemos ou ouvimos falar; ao contrário, ela se parece mais com uma Londres brasileira, em que desgraças são bombardeadas, a todo momento, nos meios de comunicação, há políticos que misturam discurso populista com religião, há toque de recolher, deturpação dos fatos, ativistas chamados de terroristas (ou de black blocs se preferir) e, é claro, muito nacionalismo (afinal, esse fenômeno está, agora, mais uma vez, em voga em todo o mundo: “a Inglaterra prevalecerá”). Como essa, há muitas inglaterras, e, talvez, nós estajamos em uma delas.

No entanto, V possui a filosofia de que “o povo não deveria temer seu governo; [mas sim] o governo deveria temer o seu povo.” E, sobre seu plano de destruir o parlamento (numa versão master do que nossas autoridades chamariam de “vandalismo”), ele afirma que: “O prédio é um símbolo, assim como o ato de destruí-lo. O poder dos símbolos emana das pessoas. Sozinho, um símbolo não tem valor, mas, com gente suficiente, explodir um prédio pode mudar o mundo.” Fica claro o quão interessante se coloca a importância do caos nos atos revolucionários, deixando-se clara, também, a questão de que, para fazer a verdadeira revolução, se é necessário unir o caos à ideologia, conceito base para a Revolução Francesa e um paralelo à Queda da Bastilha; ele ainda afirma que “a violência pode ser usada para o bem; [e que o] nome disso é justiça; [pois] não há tribunais neste país para homens como Prothero”.

Prothero é um membro do partido do ditador, envolvido em uma trama de golpe, mentira, corrupção, militarismo truculento e censura (ou seja, não há Lava-Jato que dê conta – qualquer semelhança não passa de mera coincidência…). E, como ele, há muitos nesta história. E são indivíduos como esse contra quem V vai, artisticamente, lutar. Sim, é isso mesmo, você leu a palavra “artisticamente”…

“Artistas usam mentiras para contar a verdade e os políticos as usam para encobri-la.” E V é introduzido, na trama, de maneira bem artística: sua máscara, sua roupa, sua paixão pela música clássica e pela dança, pelos livros e pelos filmes – em especial O Conde de Monte Cristo, de onde ele extrai algumas intertextualidades, tais como a luta e o bilhete na prisão. Com tudo isso, constrói-se um personagem que, teatralmente, tenta mostrar seu realismo e as duras verdades por detrás dos fatos que envolvem a ele, a Evey e a muitas outras pessoas torturadas pelo sistema.

Evey é uma jovem que, ainda quando pequena, perde seus pais e seu irmão, que foram capturados e mortos por se rebelarem contra o governo. No entanto, ela cresceu e se tornou uma pessoa comum – e com medo – até conhecer V, motivo pelo qual passam a persegui-la. E, é numa dessas fugas que ela acaba sendo capturada e torturada – tal qual seus pais e muitos outros foram – numa prisão onde nem mesmo os ratos queriam comer sua comida.

Lá, nessa prisão, ela encontra um papel higiênico, escrito por uma moça que também, aparentemente, havia passado por ali, contando a história de como havia parado naquele lugar; mas o motivo de sua perseguição não foi por ter feito parte de nenhum movimento revolucionário, mas sim, simplesmente, por ter sido assumida homossexual – o que mostra que, em momentos de fragilidade político-intelectual, as minorias são as primeiras a sofrer as mais atrozes perseguições (assim como Valerie foi executada por ser gay e Gordon foi executado por possuir um Alcorão).

Surpreendentemente, Evey descobre que havia sido, na verdade, capturada por V e que sua prisão não passava de um teste. No fim [antes de descobrir tudo], após ter sido interrogada e torturada, ela perde o medo e se mantém fiel a V, não o entregando às “autoridades”, mantendo-se fiel a ele, ou seja, mantendo-se fiel aos seus ideais, sem medo de morrer por isso. Só então ela é libertada por ele, pois já não possuía mais medo. E a moral que se extrai disto é que é o medo que aprisiona as pessoas em todas as esferas psíquicas, políticas e culturais. Constrói-se aqui a retórica do revolucionário.

Tudo o que eles precisam combater resume-se na figura do líder totalitário, Sutler. E, se você reparar, Sutler rima com “Hitler”. A história dele é interessante, pois ele ganhou as eleições proliferando mais do que uma ameaça biológica, como também proliferando o medo e apresentando-se como a cura. Definitivamente, neste ponto da história, põe-se o caso clássico de que uma população não sabe escolher seu representante quando ela está cega e bombardeada pelo sentimento do medo. E é então que as versões personificadas do radicalismo podem tomar forma e força na figura de um líder, sendo as mais cotadas nas pesquisas de intenções de voto. Em outras palavras, enquanto estivermos entre o paternalismo e o radicalismo, estaremos cegos para eleger o melhor para nós.

“Por trás dessa máscara há mais do que carne, há uma ideia.” E mais do que pelo homem atrás da máscara, Evey apaixonou-se pela ideologia nela contida. Mas e quanto a você? Qual é a sua paixão?


 

Mione Le Fay é carioca, formada em Jornalismo. Escritora, professora de informática, apresentadora e produtora de eventos. Apaixonada por livros e fotografias, encontra nesses nessas duas artes uma forma de mostrar tudo o que existe em seu mundo.

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