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O Doador de Memórias: entendendo o passado para construir um futuro – o rompimento com os códigos sociais desnecessários e com a falácia ditatorial da igualdade

Das cinzas das ruínas, as comunidades foram construídas, protegidas pela fronteiras. E dentro dessas fronteiras não haveria memórias do passado, pois todas as memórias haviam apagadas.

Depois da ruína, começaram do zero, criando uma nova sociedade, uma sociedade com igualdade de verdade. As regras foram os pilares dessa igualdade:

  1. usar a precisão de linguagem;
  2. usar as roupas designadas;
  3. tomar a medicação da manhã;
  4. obedecer ao toque de recolher;
  5. nunca mentir.

Jonas não tem sobrenome, assim como os outros habitantes. Na sua formatura, ele receberia o seu propósito.

O problema era que Jonas via coisas que ninguém mais via. E o garoto tinha medo de contar isso a alguém.

Eles viviam num ambiente onde diferenças não eram permitidas. Não havia popular, nem fama. Nem ganhadores ou perdedores. Os anciãos haviam eliminado tudo isso para que não houvesse conflito entre eles. Medo, dor, inveja, ódio não eram palavras, apenas sons; seus ecos haviam sido enviados para o outro lado da fronteira. Era uma ditadura do bem.

O filme é da maneira que eles enxergavam e viviam a vida: em preto e branco. Mas, aparentemente, Jonas tinha espasmos que o faziam enxergar cores, especialmente naquilo que ele admira; ora ele via cores na natureza, ora ele via na menina de quem ele gostava. Mas gostar não era um sentimento permito, pois era demasiado abstrato.

Na formatura, todos eram designados a suas profissões. Contudo, Jonas não havia sido selecionado para uma profissão, pois ele possuía todos os quatro atributos: inteligência, integridade, coragem e a capacidade de ver além – uma possível crítica à alta especialização exigida pelo sistema capitalista, que impossibilita o estímulo às múltiplas habilidades, fazendo com que o indivíduo fique alienado a nível estrito.

Jonas, portanto, teria de passar por um treinamento que envolvia dor, uma dor muito além da conhecida pelas pessoas da comunidade. Ele havia sido selecionado para ser o novo recebedor de memórias.

E havia cinco regras para o recebedor de memórias:

  1. reportar-se ao Doador de Memória para seu treinamento e, após o treino, voltar imediatamente à sua habitação;
  2. estar liberado de todas as regras referentes a cortesias, podendo fazer quaisquer perguntas;
  3. além da injeção diária, não receberia outros remédios, especialmente os que eram para a dor;
  4. não poderia falar sobre seu treinamento com ninguém, nunca;
  5. poderia mentir…

Agora, todos os dias ele iria receber seu treinamento numa velha casa na beira de um penhasco. Dentro dela, havia uma imensa biblioteca, que lhe foi apresentada como sendo sua, tendo livros que eram, agora, seus. Jonas, então, aprendeu o que eram livros e que livros portavam memórias.

O mestre dispensou todas as formalidades na relação entre os dois. O velho lhe ensinaria a história do mund -, já que ninguém mais na comunidade possuía memórias do passado e que, quando precisavam de um conselho, recorriam a ele. A partir de agora, Jonas seria treinado para ser o novo detentor das memórias.

Jonas acabou aprendendo coisas simples como “neve”, “trenó” etc (coisas que não existiam mais em sua comunidade). Ele também aprendeu o que era um lar e que um lar não era necessariamente uma residência. Nas memórias compartilhadas, ele pôde ver muitas coisas mais, tais como insetos, viagens de navio e, a mais importante de todas, ele pôde ver as cores também. E seu mestre ressaltou a questão triunfal sobre elas:

“Há vermelho, verde, azul, muitas cores diferentes. Você verá todas com o tempo. Quando nosso povo decidiu abolir tudo isso – cor, raça, religião – eles criaram a mesmice (a uniformidade). Se fôssemos diferentes, poderíamos sentir inveja, raiva, ressentimento, nos consumir em ódio. Precisávamos da mesmice.”

Em princípio, Jonas estava achando tudo muito bonito sobre o mundo (chamado de Alhures – algo distante, proibido). É então que ele descobre que as memórias tinham fronteiras. E que elas não deveriam ser ultrapassadas.

Jonas aprendeu o que era música e suas notas. Ele aprendeu também uma coisa que não se podia ver com os olhos: as emoções – que iam além dos sentimentos, pois eram profundas.

Jonas via nas memórias do passado a dança, a cores. Ele e o Doador queriam que a memória voltasse a ser livre.

Mas por que aboliram a música, a dança, as cores, as emoções…? O tratamento agora era frio, as pessoas eram números, tratavam-se com extrema cerimônia e formalidade…

A anciã mais importante de todas justifica a censura ao Doador de Memórias:

“Você deve saber [o porquê da censura] melhor do que ninguém. Você viu crianças morrerem de fome. Viu gente pisando nas outras. Sabe qual é a sensação quando os homens explodem uns aos outros por uma linha na areia. E mesmo assim você e o Jonas querem abrir essa porta novamente, trazer tudo de volta. Amor é só uma paixão que pode mudar Torna-se desprezo e assassinato. As pessoas são fracas. São egoístas. Quando as pessoas têm liberdade para escolher, escolhem errado. Toda a santa vez.”

Mas ter a liberdade para saber o que uma coisa é não é o mesmo que sentir essa coisa. E Jonas, ao receber as memórias, sentiu-se mais vivo, mesmo com tudo de ruim que acompanhava. Ele aprendeu com o doador que as memórias não eram apenas sobre o passado, mas que também podiam mudar o futuro e podiam tornar as coisas melhores. Era a vida, parecendo mais completa. Conforme ele experimentava, mais ele queria.

Jonas aprende o que era um sonho. Ele aprendeu também que o que ele sentia por sua amiga era amor. Mas a palavra “amor” já havia se tornado antiquada – era contra a regra número 1 (usar precisão de linguagem).

O doador lhe havia revelado que nem tudo era perfeito. Havia uma crueldade extrema acerca passado. Homens que sacrificavam animais que agora haviam sido extintos, homens que matavam uns aos outros, faziam guerra… Jonas, então, num determinado momento, havia ficado chocado com as visões do passado e havia desistido do treinamento. Por um instante, ele não queria mais a sabedoria, pois ela também trazia a dor – “talvez os anciãos estivessem certos ao apagarem aquelas memórias das pessoas”, ele chegou a pensar. Mas não…

“Com o amor vem a fé, com ela, a esperança. (…) Estamos vivendo uma vida de ecos, de sonhos, de sussurros fracos e distantes do que já nos fez reais.”, disse seu mestre.

E apesar de uma ditadura em que o medo, a dor, a inveja e o ódio não eram palavras, nenhuma ditadura poderia ser boa, pois a transmissão de memória poderia proteger e, dela, provinha o milagre, pois as memórias boas podiam alimentar de motivação para prosseguir.

As regras que prescreviam usar a precisão de linguagem, as roupas designadas, a medicação, a obediência ao toque de recolher e nunca mentir eram falácias produzidas por códigos sociais totalmente artificiais, contra a natureza humana, que, apesar de egoísta e violenta, poderia externalizar o amor e a diversidade nos seios da liberdade: a busca pelo conhecimento.


Mione Le Fay é carioca, formada em Jornalismo. Escritora, professora de informática, apresentadora e produtora de eventos. Apaixonada por livros e fotografias, encontra nesses nessas duas artes uma forma de mostrar tudo o que existe em seu mundo.

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    • É verdade sim; e como retrata… hehehe no evento lá da Livraria da Travessa, que foi sobre distopias, estávamos debatendo exatamente isso: vivemos ou não numa distopia? hehehe se vc pegar episódios do Black Mirror, por exemplo, dá para perceber que várias coisas já fazem parte do nosso cotidiano 🙂

  1. Siim black mirror é mito nisso. Eles trazem essas coisas a tona e faz a gente dar aquele feflitão! Muitas vezes a gente não para p refletir assim com as coisas q a gente vê no cotidiano… dai vendo as séries e filmes a gente abre um pouco a mente expande nossa forma de pensar e debater sobre

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