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Muito se fala da negritude na cultura pop quando um filme como “Pantera Negra” ou “Corra” fazem sucesso de bilheteria ou são indicados para Oscar. Muito se falou sobre os índios, negros e pobres neste carnaval que terminou oficialmente a poucos dias… Como em todos carnavais, aliás. Não somente na campeã e outras escolas de samba do grupo especial, mas também outras agremiações menores como pode exemplificar a letra do samba a seguir…

“Eu vi Deus! Ela é negra! … Guerreira que nunca se dá por vencida!” – Conheça o Samba da União do Parque Curicica

Houve até enredo indígena com participação de uma carnavalesca indígena em São Paulo…

http://www.mocidadealegre.com.br/wp-content/uploads/2018/05/IMG-20180527-WA0006-768×965.jpg

E o tema sempre foi muito explorado pelas agremiações carnavalescas no Rio de Janeiro anos atrás e em décadas passadas.
Todos e estes marcos e vários outros não citados MERECEM TOTAL APOIO E DIVULGAÇÃO, porém quero hoje aproveitar a proximidade das datas carnavalescas com o dia Internacional da Mulher e fazer uma ressalva a algo de que quase nunca se costuma falar…

Faz um ano comecei neste site um especial pelo mês da mulher, chamado Abrace Uma Autora Nacional. Este ano eu pretendo falar com legitimidade, citar aqui três grandes autoras, uma Índias, Eliane Potiguara; uma Negra Conceição Evaristo; e uma Pobre Carolina de Jesus…

E fica em aberto um ótimo tema para matérias futuras, uma vez que em apenas uma reportagem não vou adentrar totalmente em suas vidas e obras, mas quero aqui ao menos mencionar e resguardar esta data para pensarmos nelas… As esquecidas, pouco exaltadas ou lembradas geralmente apenas após sua morte ou fama. Como a primeira que veremos a seguir.

“brasil

que faço com a minha cara de índia?

e meus cabelos
e minhas rugas
e minha história
e meus segredos?

que faço com a minha cara de índia?

e meus espíritos
e minha força
e meu tupã
e meus círculos?

que faço com a minha cara de índia?

e meu toré
e meu sagrado
e meus “cabôcos”
e minha terra

que faço com a minha cara de índia ?

e meu sangue
e minha consciência
e minha luta
e nossos filhos?

brasil, o que faço com a minha cara de índia?

não sou violência
ou estupro
eu sou história
eu sou cunhã
barriga brasileira
ventre sagrado
povo brasileiro

ventre que gerou
o povo brasileiro
hoje está só …
a barriga da mãe fecunda
e os cânticos que outrora cantavam
hoje são gritos de guerra
contra o massacre imundo.”
***

“identidade indígena

nosso ancestral dizia: temos vida longa!
mas caio da vida e da morte
e range o armamento contra nós.
mas enquanto eu tiver o coração acesso
não morre a indígena em mim e
e nem tão pouco o compromisso que assumi
perante os mortos
de caminhar com minha gente passo a passo
e firme, em direção ao sol.
sou uma agulha que ferve no meio do palheiro
carrego o peso da família espoliada
desacreditada, humilhada
sem forma, sem brilho, sem fama.
mas não sou eu só
não somos dez, cem ou mil
que brilharemos no palco da história.
seremos milhões unidos como cardume
e não precisaremos mais sair pelo mundo
embebedados pelo sufoco do massacre
a chorar e derramar preciosas lágrimas
por quem não nos tem respeito.
a migração nos bate à porta
as contradições nos envolvem
as carências nos encaram
como se batessem na nossa cara a toda hora.
mas a consciência se levanta a cada murro
e nos tornamos secos como o agreste
mas não perdemos o amor
porque temos o coração pulsando
jorrando sangue pelos quatro cantos do universo.
eu viverei 200, 500 ou 700 anos
e contarei minhas dores pra ti
oh! identidade
e entre uma contada e outra
morderei tua cabeça
como quem procura a fonte da tua força
da tua juventude
o poder da tua gente
o poder do tempo que já passou
mas que vamos recuperar.
e tomaremos de assalto moral
as casas, os templos, os palácios
e os transformaremos em aldeias do amor
em olhares de ternura
como são os teus, brilhantes, acalentante identidade
e transformaremos os sexos indígenas
em órgãos produtores de lindos bebês guerreiros do futuro
e não passaremos mais fome
fome de alma, fome de terra, fome de mata
fome de história
e não nos suicidaremos
a cada século, a cada era, a cada minuto
e nós, indígenas de todo o planeta
só sentiremos a fome natural
e o sumo de nossa ancestralidade
nos alimentará para sempre
e não existirão mais úlceras, anemias, tuberculoses
desnutrição
que irão nos arrebatar
porque seremos mais fortes que todas a células cancerígenas juntas
de toda a existência humana.
e os nossos corações?
nós não precisaremos catá-los aos pedaços mais ao chão!
e pisaremos a cada cerimônia nossa
mais firmes
e os nossos neurônios serão tão poderosos
quanto nossas lendas indígenas
que nunca mais tremeremos diante das armas
e das palavras e olhares dos que “chegaram e não foram”.
seremos nós, doces, puros, amantes, gente e normal!
e te direi identidade: eu te amo!
e nos recusaremos a morrer
a sofrer a cada gesto, a cada dor física, moral e espiritual.

nós somos o primeiro mundo!

aí queremos viver pra lutar
e encontro força em ti, amada identidade!
encontro sangue novo pra suportar esse fardo
nojento, arrogante, cruel…
e enquanto somos dóceis, meigos
somos petulantes e prepotentes
diante do poder mundial
diante do aparato bélico
diante das bombas nucleares

nós, povos indígenas
queremos brilhar no cenário da história
resgatar nossa memória
e ver os frutos de nosso país, sendo dividido
radicalmente
entre milhares de aldeados e “desplazados”
como nós.”

***

http://www.elianepotiguara.org.br/images/3.png

Eliane Potiguara da origem étnica Potiguara, é a autora destas belas palavras nos trechos acima, com quem abrirei estes resumos que pretendo fazer das autoras nacionais que vou aqui mencionar. Eu tive o privilégio de encontra-la pessoalmente na LER, o salão carioca do livro de 2018. Ela é escritora, poeta, ativista, professora, contadora de histórias e empreendedora social. E “Escritora que corre o mundo e escreve os caminhos e descaminhos da vida”, como bela definição de seu próprio site. Foi nomeada embaixadora universal da paz em genebra e participou da elaboração da declaração universal dos povos indígenas. Eliane teve seu nome indicado após a reunião do Círculo Universal dos Embaixadores da Paz, entidade ligada a ONU (Organização das Nações Unidas) para trabalhar a favor da paz no mundo. Dentre suas obras estão O pássaro encantado (2014), a cura da terra (2015), o coco que guardava a noite (2012) e metade cara, metade máscara(1º edição – 2004; 2º edição – 2018).

[CONTINUA]
***

Mione Le Fay é carioca, formada em Jornalismo. Escritora, professora de informática, apresentadora e produtora de eventos. Apaixonada por livros e fotografias, encontra nesses nessas duas artes uma forma de mostrar tudo o que existe em seu mundo.

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