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Continuando nossa matéria especial baseada na ideia exposta na primeira parte  , continuaremos a “abraçar” autoras nacionais pouco citadas pela maioria ou tardiamente lembradas em seu próprio país. Já abraçamos uma autora Índia, agora abraçaremos uma Negra e uma Pobre…

 

“Carolina na hora da estrela

No meio da noite

Carolina corta a hora da estrela.

Nos laços de sua família um nó- a fome.

José Carlos masca chicletes.

No aniversário, Vera Eunice desistedo par de sapatos,quer um par de óculos escuros.

João José na via-crúcis do corpo,um sopro de vida no instante-quasea extinguir seus jovens dias.

E lá se vai

Carolinacom os olhos fundos,macabeando todas as dores do mundo…

Na hora da estrela,

Clarice nem sabeque uma mulher cata letras e escreve

‘De dia tenho sono e de noite poesia'”

***

“Vozes-mulheres

A voz de minha bisavó ecoou criança nos porões do navio.

Ecoou lamentos

De uma infância perdida.

A voz de minha avó ecoou obediência aos brancos-donos de tudo.

A voz de minha mãe ecoou baixinho revolta

No fundo das cozinhas alheias de baixo das trouxas roupagens sujas dos brancos pelo caminho empoeirado rumo à favela.

A minha voz ainda ecoa versos perplexos com rimas de sangue e fome.”

***

“Eu-Mulher

Uma gota de leite me escorre entre os seios.

Uma mancha de sangue me enfeita entre as pernas.

Meia palavra mordida me foge da boca.

Vagos desejos insinuam esperanças.

Eu-mulher em rios vermelhos inauguro a vida.

Em baixa voz violento os tímpanos do mundo.

Antevejo.

Antecipo.

Antes-vivo

Antes – agora – o que há de vir.

Eu fêmea-matriz.

Eu força-motriz.

Eu-mulher abrigo da semente moto-contínuo do mundo.

– Conceição Evaristo, no livro “Poemas da recordação e outros movimentos”. Belo Horizonte: Nandyala, 2008.”

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Palavras potentes de Maria da Conceição Evaristo de Brito, mais conhecida como Conceição Evaristo, escritora e pesquisadora brasileira.  Sobre quem inclusive já escrevi quando foi cotada para a ABL , também na LER, o salão carioca do livro de 2018. Ela nos legou o conceito de ESCREVIVÊNCIA, unindo as palavras “Escrever” e “Viver”, afirmando que a escrevivência das mulheres negras é escrever se fazendo protagonistas de suas próprias histórias, ou em suas palavras contar histórias “não é para ninar os filhos da Casa Grande, e sim para incomodá-los em seus sonos injustos”.  

Nasceu em 29 de dezembro de 1946 numa favela da zona sul de Belo Horizonte, Minas Gerais. Filha de uma lavadeira que, assim como Carolina Maria de Jesus, matinha um diário onde anotava as dificuldades de um cotidiano sofrido, Conceição cresceu rodeada por palavras. Teve que conciliar os estudos com o trabalho como empregada doméstica, até concluir o curso Normal, em 1971, já aos 25 anos.

Uma das principais expoentes da literatura Brasileira e Afro-brasileira atualmente, Conceição Evaristo tornou-se também uma escritora negra de projeção internacional, com livros traduzidos em outros idiomas. Publicou seu primeiro poema em 1990, no décimo terceiro volume dos Cadernos Negros, editado pelo grupo Quilombhoje, de São Paulo.

Desde então, publicou diversos poemas e contos nos Cadernos, além de uma coletânea de poemas e dois romances. A poeta traz em sua literatura profundas reflexões acerca das questões de raça e de gênero, com o objetivo claro de revelar a desigualdade velada em nossa sociedade, de recuperar uma memória sofrida da população afro-brasileira em toda sua riqueza e sua potencialidade de ação. E costuma inclusive abrir espaços para outras mulheres negras se apresentarem no mundo da literatura.Entre seus livros entre outros temos: Insubmissas lágrimas de mulheres (2011), Olhos d’água (2014), Poncia Vicencio (2003), Becos da memória (2006)

☆☆☆☆

 

“(…) quando percebi que eu sou poetisa fiquei triste porque o excesso de imaginação era demasiado.

-Diário de Bitita (1986).”

***

“Não digam que fui rebotalho,que vivi à margem da vida.

Digam que eu procurava trabalho,mas fui sempre preterida.

Digam ao povo brasileiroque meu sonho era ser escritora,mas eu não tinha dinheiropara pagar uma editora.”

***

“Poeta, por que choras?

Que triste melancolia.

É que minh’alma ignora

O esplendor da alegria.

Este sorriso que em mim emana,

A minha própria alma engana”

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Carolina Maria de Jesus, de origem humilde e sofrida, se expressava com palavras fortes como estes trechos acima.Segundo Fernanda de Moura Cavalcante no site Geledés, Carolina Maria de Jesus pode ser reconhecida como Literatura Afro-brasileira e integrar o rol dos autores considerados expoentes no Brasil.

Chega a ser amplamente conhecida nos Estados Unidos, na França e outros países, e aqui passou a ser difundida somente nos últimos anos nas livrarias e ainda hoje alguns intelectuais sequer a consideram relevante para tornar-se parte do cânone da Literatura Brasileira. Discute-se seu valor literário como uma obra extremamente proeminente que também se configura como documento histórico evidenciando a História dos negros no Brasil.

Essa reflexão foi elaborada a partir da análise da Literariedade da obra da autora mencionada no site citado, sendo especializado na negritude. O Quarto de Despejo (1960) é sua obra mais famosa, mas Carolina de Jesus publicou ainda Pedaços de Fome e Provérbios,os dois em 1963, custeados por ela. Quando morreu, em 1977, foram publicados o Diário de Bitita, com recordações da infância e da juventude; Um Brasil para Brasileiros (1982); Meu Estranho Diário; e Antologia Pessoal(1996).

 

Gostaria de ver mais alguma autora nacional aqui? Comente e a mencione.

 

*Fontes tanto usadas quanto úteis para mais pesquisas:

https://escrevivencia.wordpress.com

http://www.elianepotiguara.org.br/

http://www.memoriaesociedade.ibict.br/escrevivencias-na-c-i/

https://www.geledes.org.br/tag/carolina-maria-de-jesus/

Conceição Evaristo – poemas

http://latitudeslatinas.com/poemas-de-eliane-potiguara/

http://www.cartaeducacao.com.br/carta-explica/por-que-8-de-marco-e-o-dia-internacional-da-mulher/

http://www.poesiaavulsa.com/2017/07/conceicao-evaristo-cinco-poemas_25.html?m=1

Mione Le Fay é carioca, formada em Jornalismo. Escritora, professora de informática, apresentadora e produtora de eventos. Apaixonada por livros e fotografias, encontra nesses nessas duas artes uma forma de mostrar tudo o que existe em seu mundo.

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