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O mercado editorial está em crise. Ouço isso desde o primeiro dia de aula do MBA em Book Publishing. Ouvi de diversos profissionais de diferentes casas editoriais. Para o brasileiro, acostumado que algo da vida comum esteja em crise, parece algo até banal. Mas, não é.

Nos últimos anos, o mercado editorial veio em uma constante de dois passos para frente e três para trás e há uma série de fatores importantes que causam essas oscilações. E a gente vai conversar sobre algumas.

E no princípio, tudo era consignado

Vamos imaginar o seguinte: temos um produto e um comprador intermediário deseja vende-lo. Consignar é quando eu deixo um X número de produtos na mão desse comprador que vai tentar vende-lo ao consumidor final. Se isso não acontecer, ele me devolve os produtos. Se a venda for efetivada, recebo a parte que me cabe.

Posso ver o pensamento se formando na sua mente e nele tem a frase “vai dar m****”. Pois é, foi o que aconteceu. Desde quando os dinossauros jogavam bola com Gutemberg, o mercado editorial brasileiro funciona nesse sistema. As editoras consignavam seus livros para as livrarias, estas devolviam algo: ou livros não vendidos ou dinheiro das vendas.

Um dado importante que você precisa saber é que, nesse processo, a livraria pedia um desconto no preço dos livros (o preço de capa, que é o valor do custo + lucro de cada unidade). O mínimo era 50%. Ou seja, se seu livro custasse R$ 40, a livraria, ao vender, pagaria lucros em cima de R$ 20 e não do valor cheio.

Já aqui você tem um problema: como veremos em outra ocasião, a produção do livro não é barata, sobretudo para baixas tiragens (quantidades de livros produzidas). Então, renunciar a metade desse valor é trabalhar com um orçamento mais apertado para pagar os custos de produção, o autor e sobrar alguma coisa pro editor não morrer à míngua.

Cultura e Saraiva

Há menos de 10 anos, existiam duas grandes livrarias: a Cultura e a Saraiva. Juntas, elas eram responsáveis por cerca de 40% de todas as vendas do mercado editorial. Tinham lojas enormes em shoppings badalados e pelas ruas do país, concentravam o olhar de quase todo mercado e seu poder de penetração viciou as editoras. Algumas tinham mais da metade de seu faturamento nas prateleiras dessas livrarias.

Aliviadas de usar capital para comprar os produtos que venderia, essas livrarias passaram a investir em lojas ainda maiores, eventos e se aventurar por nichos como tecnologia e telefonia. Tudo eram flores e ninguém achava que duas gigantes iam quebrar.

Até que chegou a Amazon…

Atire a primeira pedra quem nunca comprou livro na Amazon por que estava mais barato! Bem, muita gente fez isso. Muita gente mesmo, tanto que quando a gigante americana chegou ao Brasil em 2014, muita gente começou a bradar que era o fim das livrarias. Da mesma forma que taxistas diziam que não tinha espaço pros aplicativos e eles.

O mercado editorial sentiu, e muito, o impacto da Amazon. Ninguém conseguia competir com os preços praticados por ela, sempre mais baixos e suas ofertas atraiam o bolso do público de uma forma que as livrarias não conseguiam. Além disso, ao contrário das concorrentes, a Amazon comprava os livros e não consignava, mesmo que comprasse com descontos ainda mais altos que os praticados pelas consignações.

Nessa roleta, o lucro da Livraria Cultura caiu R$ 56 milhões de 2013 para 2017. E com menos dinheiro entrando, como poderia pagar as editoras o que já haviam vendido? Eis o segundo ciclo do inferno.

O efeito dominó foi quase imediato. Em 2016, já se começava a reclamar que a Saraiva e a Cultura não estavam cumprindo os compromissos assumidos com as editoras. Mas você pensa que as editoras pararam de consignar para as livrarias? Ledo engano, afinal são editoras brasileiras que não desistem nunca!

2016: o ano do caos

Não preciso lembrá-los de que 2016 foi um ano caótico para o brasileiro. E não estou falando em termos políticos, a retração econômica se abateu e pegou de jeito quem mais aquece a economia: a tal classe média.

Então, você soma tudo isso que falei até aqui, com a diminuição do poder de compra do brasileiro médio que, sem pensar duas vezes, deixou de comprar livros para manter o arroz e o feijão na mesa da família.

Logo, os rombos tanto das editoras quanto das livrarias aumentaram ainda mais, pois dívidas e juros se acumulavam e o faturamento despencavam.

Em 2018, se eu não estou enganada, Saraiva e Cultura pediram recuperação judicial, que é o nome bonito para “pediram arrego”. A essa altura, já acumulavam juntas R$ 1 bi em dívidas (você achando que tava encrencado com seu boleto da Marisa, hein). As editoras grandes tiveram que diminuir seu folego (a Cia das Letras, por exemplo, deixou de publicar 300 livros por ano, por exemplo. Não tô exagerando, é esse número mesmo). As pequenas e médias tiveram destinos distintos: foram compradas por grupos maiores, faliram ou passaram a se unir com outras para sobreviver.

E o que sobrou?

O mercado ainda está aí, mas ainda está zonzo, fazendo o rescaldo do que sobrou. Conta seus feridos, enterra seus mortos e passa a usar a criatividade para sobreviver.  Há editoras como a Patuá que não sentiram nada, pois não vendiam para essas livrarias ou trabalham direto com o público. Outras passaram a desovar livros enlouquecidamente nos stands de shopping e estações de metrô.

A meu ver, o momento é de oportunidades para as casas editorais, se elas souberem ler as tendências. Com tudo ainda em escombros, é possível ousar e só é possível fazer isso ao considerar um elemento muito importante da equação: o leitor. E esse será o assunto do nosso próximo texto.

Mas antes de terminar…

Vou deixar aqui alguns artigos que avaliam o que aconteceu com o mercado de forma mais apurada do que eu.

Mione Le Fay é carioca, formada em Jornalismo. Escritora, professora de informática, apresentadora e produtora de eventos. Apaixonada por livros e fotografias, encontra nesses nessas duas artes uma forma de mostrar tudo o que existe em seu mundo.

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