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Cinco palavras-chave percorrem o novo romance da britânica Sophie Hannah ligando as diversas camadas e tramas paralelas da história, que traz de volta o casal de detetives Simon e Charlie, de A vítima perfeita e A outra casa. Dona de uma obra respeitada e de um estilo sofisticado, a autora apresenta um suspense policial que não se resume a buscar a solução do crime. Tão importante quanto solucioná-lo é investigar as características psicológicas e emocionais de seus personagens. No caso de Uma certa crueldade, a premissa é levada, de fato, para o divã. É no consultório de uma hipnoterapeuta que as histórias de Amber Hewerdine e da policial Charlie se cruzam. A primeira perdeu sua melhor amiga num incêndio e, desde então, sofre de insônia e ansiedade; já Charlie deseja parar de fumar. Num esbarrão na sala de espera, Amber lê, por acaso, no caderno da investigadora: “Gentil, Cruel, Meio que Cruel.” Pouco depois, sob hipnose, se ouve repetindo essas mesmas palavras aparentemente sem sentido, mas cruciais para a polícia na investigação de dois incêndios criminosos.

Em cerca de um terço do livro, havia tantas vertentes para essa narrativa que eu não conseguia descobrir como Hannah poderia reunir todos eles. Embora certamente a história se desenrole gradualmente, e o quadro inteiro só será revelado nas últimas páginas. Mas uma coisa que gostei particularmente foi como a memória humana é mostrada como algo incerto, onde o limite entre fatos e a visão distorcida pela mente humana são tênues. Vi que muitas vezes os fatos são distorcidos para se adaptarem uma narrativa subjetiva, e a autora faz um ótimo contraponto disto na história com como isto acontece na vida real.

Amber Hewerdine visita uma hipnoterapeuta em uma tentativa de curar sua insônia trazida pela morte de sua melhor amiga, Sharon, em um incêndio. Amber e seu marido Luke estão cuidando das duas filhas de Sharon, mas Amber é atormentada por ansiedades que afetam seu sono. Ela também revisita obsessivamente um fatídico Natal em 2003, quando ficou com sua família em uma casa chamada Little Orchard. Na manhã de Natal, quatro membros da família desapareceram por 24 horas e se recusaram a falar sobre isso desde então.

Não muito tempo depois de sua visita a hipnoterapeuta, Amber é questionada sobre o assassinato de uma mulher que ela nunca conheceu antes. O assassinato parece não ter motivação e a única pista que a polícia pode encontrar é a impressão das palavras “gentil, cruel e meio cruel” em um bloco de notas na casa da vítima. Quando Amber murmura essas palavras diante de uma policial ligada ao caso, ela imediatamente fica sob suspeita.

O romance é escrito predominantemente do ponto de vista de Amber, que é apresentada por si mesma  como uma narradora pouco confiável e mantém em segredo seu marido, e também de nós leitores. Ao longo do livro, ficamos cientes de que ela tem suspeitas sobre a verdadeira natureza de sua santa cunhada Jo, que parece ter a resposta para o desaparecimento do Natal. Mas talvez nenhum elo pode ser encontrado entre Amber e o assassinato de sua amiga Sharon, tal qual o da professora da escola primária Kat Allen.

Como algo que não me agradou, houve trechos em que a autora me pareceu perder linhas demais com descrições de objetos e situações que além de não acrescentarem nada de realmente interessante não são relevantes nem para história e nem para construção de personagens – como por exemplo a descrição minuciosa sobre “feias janelas de PVC” e as locações com nomes de ruas de onde  se encontrava, tal qual a comparação com as revistas de hipnose  encontradas na sala de espera da hipnosista e as que se encontram sobre cabelos, nos cabeleireiros…

E os leitores que não apreciam psicologia podem ficar se perguntando se thriller “psicológico” significa ler páginas sobre o processo de pensamento da protagonista, pois muito do livro é dedicado a problemas de Amber que muito pouco se explicam.  Até mesmo a parte da investigação policial se concentra ainda mais no processo de pensamento de vários policiais, e ao longo do livro no que Amber diz e acredita ser verdade ou não. Mas eu gosto realmente de “passear” pela mente dos personagens, então estou avisando apenas para quem não estiver acostumado a enredos mentais.

Algun leitores talvez tenham que realmente suspender sua descrença, mas eu pessoalmente gostei do enredo melodramático e exagerado tal qual a protagonista-narradora o coloca. Eu também gostei de Amber, que me pareceu uma protagonista obstinada, apreciei bastante sua ferocidade e como ela se coloca como a teimosamente racional que coloca tudo à sua volta sob análise e dúvida de  inconsistências. Como quando dúvida do  comportamento irracional de policiais, professores, outros pais, bem como da hipnoterapeuta.

Contudo me chamou atenção em especial as passagens que  ressaltam a personalidade da protagonista, tais como: “Ou ela está se forçando muito em sua encenação ou é uma pessoa gentil. Espero que seja gentil – gentil o bastante para ainda querer me ajudar quando se der conta de que não sou” ou “Fingir ser uma pessoa melhor do que sou é exaustivo; ter de fazer um esforço constante para produzir um comportamento que não corresponde ao meu estado mental.”

Sobre a autora:

A britânica Sophie Hannah já é conhecida pelas suas obras de caráter investigativo/policial. Uma Certa Crueldade, marca o retorno do casal de detetives Simon Waterhouse e Charlie Zailer, dupla que esteve presente em outros dois livros da autora: A Vítima Perfeita e A Outra Casa. A autora foi a primeira escritora a receber autorização para escrever uma nova aventura do lendário Hercule Poirot, que resultou no livro Os Crimes do Monograma.

 


Mione Le Fay é carioca, formada em Jornalismo. Escritora, professora de informática, apresentadora e produtora de eventos. Apaixonada por livros e fotografias, encontra nesses nessas duas artes uma forma de mostrar tudo o que existe em seu mundo.

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