Aos 25 anos, recém-formado, Pedro está convencido de que é um sujeito muito especial, que tem a missão de usar o cinema como instrumento para melhorar o mundo. Diagnosticado na adolescência com uma doença degenerativa que o condenaria à cegueira, ele contraria a lógica da medicina quando a perda de sua visão estaciona de forma inexplicável. Enquanto comanda o último cineclube de São Paulo e trabalha em uma videolocadora da periferia, Pedro planeja seu próximo filme, a obra que vai consagrá-lo. E, para animar as coisas, conhece a intrigante Cristal, uma ruivinha decidida, garçonete e estudante de física nuclear, que mexe com seu coração.
A perspectiva idealista de Pedro, porém, sofre sérios abalos. Atormentado por um segredo, ele parte com os amigos Fit, Mayla e Cristal numa longa viagem até Pirenópolis, em Goiás, a bordo de um Opala envenenado. Com câmeras nas mãos e espírito de aventura, a equipe técnica improvisada está disposta a usar toda a sua criatividade na filmagem feita na estrada ao sabor de encontros inesperados e de sentimentos imprevisíveis. E o jovem cineasta descobre que, quando o destino foge do script, nada supera o apoio de grandes amigos.
Fiquem todos calmos que, não, eu não vou dizer que esse é um livro surpreendente (risinhos de solidariedade). De uns tempos pra cá, sendo mais crítico com minhas leituras, tem sido difícilzinho achar um livro para favoritar e dobrar em 25 milhões de pedaços para poder caber no meu coraçãozinho. Mas ei de que chega este livro, mansinho, como quem não quer nada e me bota pra chorar que nem uma criança que ficou sabendo que essa semana não tem revista Recreio (meu eu interior).
Diagnosticado na infância com uma doença degenerativa que prometia tirar-lhe a visão, mas que estaciona antes de lhe deixar no completo breu (talvez) por um milagre da medicina, Pedro – um jovem completamente aficionado por cinema com a missão intermitente de disseminar sua paixão por onde passa – após uma série de acidentes que, por ironia infinita do destino, lesionam ainda mais seus olhos, recebe a estarrecedora notícia de que sua doença voltou mais forte do que nunca, acarretando em um prazo de apenas dois meses restantes para que tudo fique na maior e mais aterrorizante escuridão.
Perante o maior pesadelo de um cineasta, Pedro embarca numa roadtrip em direção a uma cidadezinha de Goiás, onde sua avó mora e promete revelar um grande segredo, com seu melhor amigo Fit, que compartilha de seu amor pela criação de filmes, Mayla, a gerente do Cultural, onde no subsolo localiza-se o cineclube onde Pedro é curador, e Cristal, a menina misteriosa de cabelos de fogo que vai e vem durante as sessões do cineclube e que fisgou Pedro desde o primeiro momento, onde no caminho encarregam-se de juntos filmarem um roteiro magnífico capaz de conquistar um dos prêmios mais importantes do cinema brasileiro.
Numa das melhores roadtrips que eu já li, as relações dos personagens vão se estreitando à medida que os acontecimentos vão tomando uma grandiosidade que se esconde sobre uma cortina de falsa banalidade. De forma corriqueira eles interagem com diversas pessoas pelo caminho e no fim forma-se uma imagem cheia de significados por entre os fragmentos. Da relação do Pedro com o Fit, absoluta e incontestável, mostrando que um é a pessoa que mais conhece o outro, e vice-versa, para o modo como ele se aproxima de Mayla, auto titulada a garota mais esperta da região e amiga de corpo e alma, até o amor que brota lenta e divertidamente por Cristal, a menina dos cabelos de fogo, formada em arqueometria (ramo da física que estuda artefatos históricos e obras de arte [basicamente o filhote de uma relação amorosa entre as áreas de exatas e humanas, amei? adorei?]), que proporciona os mais lindos diálogos e as mais marcantes passagens ao longo da narrativa – o relacionamento dos quatro, como um todo, forma uma massa de amorzinho, que, no fim, nada poderia separá-los.
Tão intrincada que se torna um caso à parte, a relação do Pedro com seu pai, Carlo, é algo que me tocou mais fundo do que eu esperava, e me permitiria, ser tocado. Em uma das cenas iniciais do livro, Pedro está trabalhando no restaurante do pai, Carlo’s, quando acontece uma briga causada por clientes bêbados. Como resolução o pai diz algo como: ninguém chama o meu filho de ceguinho inválido. Coisas assim são esperadas de qualquer pai, ainda mais hoje em dia em que a figura do homem tem sido posta em seu lugar com mais afinco, mas ver uma relação de pai ter mais profundidade do que a da mãe (tiro eu mesmo como exemplo, que sempre fui muito mais agarrado com a minha mãe), apresentada de forma tão crua e direta, foi algo que pregou um sorriso duradouro no meu rosto.
O Pedro é um personagem que me intrigou muito. Ele tem uma aura de longitude, um olhar para além de si mesmo, que, se falando sobre cinema, assunto que é mais recorrente para ele, é envolvente, causa um estalo para apreciarmos mais a sétima arte, mas em alguns momentos me deixou meio receoso. Vindo de berço de ouro, os pais muito bem sucedidos, ele trabalha em uma videolocadora próxima a uma favela e constantemente se posiciona como alguém que não enxerga uma enorme diferente entre os níveis sociais, acredita que todos merecem uma oportunidade e que não devem ser julgados pelo meio onde vivem. Ok, um cara legal e cabeça boa, porém justamente por sua “vantagem” econômica, essa autoimposição me deixava desacreditado. É muito fácil um garoto boa família e endinheirada falar coisas desse tipo da boca pra fora, sem uma real vivencia do que são as vidas das pessoas que estão entre os meios da sociedade. No decorrer do livro isso da uma maneirada, mas ainda assim fico me remoendo sobre isso.
Tem algo na literatura nacional que me encanta e não sei descrever muito bem. Talvez seja uma posse diferenciada sob a língua que um livro traduzido não possui, um uso único de joguetes linguísticos e uma habilidade de fazer o leitor se relacionar mais facilmente com a ambientação e o desenvolvimento de personagens que parecem mais próximos tanto geográfica como pessoalmente do leitor. Como se o livro socializasse mais facilmente. Enfim, como disse, não sei muito bem, mas é algo que me encanta cada vez mais, e, à primeira vista, a escrita do Maurício Gomyde é uma boa representação disso. Despretensiosa e usualíssima, a linguagem do livro ao mesmo tempo em que parece frágil e leve emprega uma profundidade em muito poucas páginas, temperada por diálogos deliciosamente inteligentes que conquistam num piscar de olhos.
De certa forma, Surpreendente! celebra a vida: como ela é, como pode ser, e como lidar com as possibilidades quando elas estão prestes a eclodir desenfreadas. Passa uma mensagem de dever para com a existência, de que não podemos nos deixar abater pelas situações que são incontroláveis, e sim encará-las de frente; isso sem deixar um resquício de remédio, como se ensinasse a contragosto o leitor a ser menos egocêntrico existencialmente. Agora posso falar que ele é surpreendente? HAHAHAHA! Me julguem, mas não perco a piada (mesmo que seja de tiozão).
No responses yet