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Não precisar ser um seguidor fiel de cinema para saber o quanto Lars Von Trier gosta de polemizar. Basta parar 10  minutos da sua vida para assistir a um trecho de qualquer filme assinado por ele e assim captar a essência  excêntrica/bizarra de seu diretor.

Mundialmente criticado de maneira dura após fazer declarações a favor de Hitler durante uma coletiva de imprensa sobre o seu filme “Melancolia”, Trier foi declarado persona non grata no Festival de Cannes e como o excelente marqueteiro que é, ele aproveitou os holofotes para anunciar a produção de “Ninfomaníaca”, cuja história acompanharia a vida sexual de uma mulher da infância a velhice, com direito a cenas de sexo reais.

E é evidente que ele conseguiu gerar expectativas e prender a atenção de toda a mídia envolvida para o seu mais novo trabalho que depois de produzido, lançou sobre a cabeça de muita gente um turbilhão de imagens promocionais. Cenas do filme, notícias, gerando mais e mais expectativa para o lançamento de “Ninfomaníaca”.

Foi como eu disse; você pode até não acompanhar cinema, mas em algum momento nos últimos meses, ouviu falar de Lars Von Trier. Indiretamente ou não, você ouviu falar pois o marketing de “Ninfomaníaca” se fez presente em cada pedaço de chão da Web. Levante o dedo quem não ficou com vontade de ver!

Não sei exatamente o que eu esperava deste filme. Com certeza muito sexo. E mais sexo. Mas certamente não o que eu assisti e entendi.

Ninfomaníaca é um filme que exige demais de quem desafia assisti-lo. Aqui no Brasil ele foi dividido em duas partes (porque são cinco horas de filme) e nesta primeira parte encontramos uma Joe (Stacy Martin), jovem e  ansiosa por descobrir, por sentir. Há muitas cenas de sexo, de nudez frontal e explícita, tem até cena de penetração real. Mas todos esses recursos visuais são um mero pano de fundo para algo muito maior que estar acontecendo. O que vemos nesta primeira parte  não é um pornô chique ou um pornô para Cults como ouvi muitos dizendo por aí. É algo incompleto, metade de um filme, mas não algo ralo e inconsistente. Essa parte passa por cima de tudo isso para cativar, intrigar, fazer você refletir e até se emocionar com o mosaico de realidade retratado em todas as cenas. Tem coisas nele que parece cotidiano. Vida real. Esqueça o sexo. Esqueça o quanto ele foi vendido como algo sexualmente explosivo pois essa metade que eu assisti passa bem longe disso. Pense apenas em como não ver realidade em um pai moribundo e definhando sobre a cama de um hospital no capítulo “Delirium” e no descontrole humilhante de uma mulher traída e abandonada no capítulo “Mrs . H”.

O filme é narrado por uma Joe mais velha e vivida, que logo no início dessa primeira parte é encontrada largada em um beco surrada e cheia de hematomas. Mas só de olhar para mulher amargurada que ela se tornou, dá pra perceber que as feridas naquela parte de sua vida vão muito além do externo e que nos faz questionar porque a todo instante ela fica repetindo que é um ser humano ruim. Quando o filme terminou, fiquei muito curiosa pela outra parte, a que vai tornar Joe uma criatura que se sente infeliz e inadequada.

Ninfomaníaca foi algo surpreendente para mim. Com diálogos inteligentes e afiados. Foi muita ousadia de Lars Von Trier explorar um tema tão polêmico, um verdadeiro tabu, ao trazer uma profunda análise emocional sobre algo que poderia facilmente ser banalizado, ao fazer graça em momentos surpreendentes ou por momentos tão sutis, como o breve sorriso sacana de Stellan Skargard ao vislumbrar o passado de Joe.

Fica no ar a pergunta crucial: o que fez com que Joe, esta mulher que jamais se pautou por moralismos ou questões religiosas, assumisse de forma tão forte um grande sentimento de culpa, ao ponto de a todo instante repetir “sou um ser humano ruim”?

http://www.youtube.com/watch?v=c4mN1NNb3XM

Mione Le Fay é carioca, formada em Jornalismo. Escritora, professora de informática, apresentadora e produtora de eventos. Apaixonada por livros e fotografias, encontra nesses nessas duas artes uma forma de mostrar tudo o que existe em seu mundo.

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