Categories:

Frank Dodd está morto e a cidade de Castle Rock pode ficar em paz novamente. O serial-killer que aterrorizou o local por anos agora é apenas uma lenda urbana, usada para assustar criancinhas.

Exceto para Tad Trenton, para quem Dodd é tudo, menos uma lenda. O espírito do assassino o observa da porta entreaberta do closet, todas as noites.

Você pode me sentir mais perto… cada vez mais perto.

Nos limites da cidade, Cujo – um são-bernardo de noventa quilos, que pertence à família Camber – se distrai perseguindo um coelho para dentro de um buraco, onde é mordido por um morcego raivoso.

A transformação de Cujo, como ele incorpora o pior pesado de Tad Trenton e de sua mãe e como destrói a vida de todos a sua volta é o que faz deste um dos livros mais assustadores e emocionantes de Stephen King.

Quem é o monstro?

E se você passasse muitas (eu disse muitas) horas, presa dentro de um veículo, encurralada por um gigantesco cão raivoso? Quer piorar? Some à lista de passageiros do carro quebrado seu indefeso filho pequeno. E é com essa promessa aterrorizante que temos “Cujo”, um dos maiores clássicos de Stephen King, relançado pela Suma como parte da coleção Biblioteca Stephen King.

Apesar da “promessa aterrorizante” que citamos acima, a narrativa do livro, lançado originalmente em 1981, se destaca principalmente é pelo intenso desenvolvimento de cada personagem apresentado, nos entregando situações de alta tensão e, pelo tempo que se passa conhecendo cada peça envolvida neste jogo, extremamente envolvente.

No entanto, há muito para acontecer antes do “evento principal” (mulher, filho, cão, carro). A habilidade de King em criar personagens de fácil empatia para o leitor torna a leitura prazerosa, de forma que não cansa, mesmo sem contar com um ritmo necessariamente acelerado – apesar de não haver uma divisão por capítulos em todo livro. Cada página que nos leva ao auge da história não parece desperdício de tempo -temos em “Cujo” uma cativante crônica com diferentes vidas que se cruzam direta ou indiretamente na iminente tragédia.

Tanto na família Trenton, quanto na família Camber (os donos de Cujo, e outra família que ocupa uma boa quantidade de páginas), os problemas da vida, por si só são outros monstros: dificuldade de casamento, medos de infância e o que fazer quando se tem contas a pagar. Monstros estes que são apresentados de tal forma, que nos parece que o livro poderia perfeitamente se passar nos dias atuais. Ou será que estes monstros, não são alguns dos próprios personagens humanos que conhecemos ao longo da história?

Tal questionamento é evidenciado numa denúncia (talvez involuntária e certamente a frente dos tempos em que o livro foi originalmente lançado) sobre machismo e masculinidade tóxica, conforme conhecemos melhor o relacionamento da família Camber – Joe, seu filho Brett e sua infeliz esposa, Charity.

Embora estejamos defendendo aqui como “Cujo” tem grandes ares de crônica familiar, não deixa de ter seus momentos extremamente gráficos, quando o outrora manso são bernardo ataca. Com sua mente destruída pela raiva, temos alguns trechos brilhantes em seu próprio ponto de vista, nos mostrando como, ao final de tudo, ele era o único monstro realmente involuntário da história toda, a maior vítima.

“Cujo” é uma história sobre medos. Sobre o que acontece e o que se passa na mente pessoas comuns, com problemas comuns. Como elas lidam com seus demônios interiores? Como eles se manifestam em situações extraordinárias? Responder estas perguntas com personagens bem construídos é o que Stephen King fez de melhor em sua carreira, e este livro é uma prova incontestável e imperdível disto.

Como um clássico merece ser tratado

A versão da biblioteca Stephen King, além de trazer o livro com capa dura (além de ser belíssima, contando até com detalhes em alto-relevo), traz também sempre algum conteúdo extra. No caso de “Cujo”, temos nada mais que a entrevista do autor, concedida em 2006, para The Paris Review.

Nela, temos King falando não somente de “Cujo”, mas também relembrando sua trajetória como escritor, suas inspirações, falando o que pensa sobre perder fãs, mas também ganhar novos, como ele detestou a consagrada adaptação de Stanley Kubrick para “O Iluminado” (outro livro que também foi relançado como parte da Biblioteca Stephen King) e a sua relação com a críticos literários.

Para quem já leu “Sobre a Escrita”, onde o autor compartilha seus sinceros pontos de vista sobre escrita, ou para quem simplesmente admira a mente que nos deu tantas histórias inesquecíveis, a longa entrevista é tão imperdível quanto o prato principal. De fato, é uma sobremesa e tanto.

 


 

Mione Le Fay é carioca, formada em Jornalismo. Escritora, professora de informática, apresentadora e produtora de eventos. Apaixonada por livros e fotografias, encontra nesses nessas duas artes uma forma de mostrar tudo o que existe em seu mundo.

No responses yet

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *