Indicado nas categorias de
Melhor filme
Melhor diretor (David O. Russell)
Melhor roteiro original
Melhor ator (Christian Bale)
Melhor atriz (Amy Adams)
Melhor ator coadjuvante (Bradley Cooper)
Melhor atriz coadjuvante (Jennifer Lawrence)
Melhor figurino
Melhor edição
Melhor direção de arte
David O. Russell é, sem dúvidas, um cineasta problemático. Apesar de muito aclamado pela crítica e presente em várias premiações, seus filmes dividem bastante o público, particularmente o brasileiro. Após a boa fase de suas últimas produções, “O Lutador” e “O Lado Bom da Vida”, veio “Trapaça” e reacendeu uma dúvida: é David O. Russell esse diretor magnífico e premiado que a Academia e tantas outras bancas de premiações acreditam que ele seja, ou é apenas um queridinho dos críticos?
Bem, “Trapaça” é uma comédia dramática que conta a história de Irving Rosenfeld (Christian Bale) e sua amante Sydney Prosser (Amy Adams), dois trapaceiros que aplicam pequenos golpes em investidores, conseguindo lucros exorbitantes. Um dia, são emboscados pelo agente do FBI Richie DiMaso (Bradley Cooper), que promete libertá-los sob uma condição: que eles o ajudem a capturar trapaceiros de Nova Jersey. À medida que o plano vai se desenrolando, Irving cada vez mais se afunda no submundo do crime e na ambição de Richie, o que os leva à toca de mafiosos, políticos e congressistas corruptos. Paralelamente, Rosalyn (Jennifer Lawrence), a esposa perturbada de Irving, pode ameaçar todo o plano com sua imprevisibilidade, o que coloca todos os quatro em risco.
Responderei a pergunta que fiz no primeiro paragrafo com esta resenha: David O. Russell é um talento ou um canastrão? “Trapaça” serve muito bem como resposta: são ambos. “Trapaça” mostra alguns momentos em que O. Russell atinge seu auge, e outros em que demonstra toda sua fraqueza como roteirista e criador de histórias. Isso por que o filme tem dois momentos: o bom e o ruim. O bom é mais ou menos tudo o que acontece da metade para o final. O ruim é tudo antes disso.
Vamos falar da primeira metade – a ruim: uma narração em off irritante está muito presente em grande parte desta metade. Essa narração é feita para resumir os acontecimentos do filme em poucos minutos em vez de mostrá-los na tela, e isso, infelizmente, acaba ferindo o ritmo do filme, que, mesmo avançando muito rápido, deixa de empolgar em vários momentos. Em outras palavras: mesmo com um ritmo rápido, acaba sendo chato em termos dramáticos. Por isso, como um drama, é bastante atabalhoado e inseguro em diversas cenas, e, sinto dizer, também muito previsível e piegas às vezes; mas, como uma comédia de humor negro, é genialmente explosivo, pra se rir alto. Infelizmente, O. Russell parece muito mais dedicado a sua história fraca do que em criar motivos para que gostemos dela, e é por isso que os primeiros 50 ou 60 minutos de “Trapaça” são terrivelmente arrastados e pior, sem brilho, como se estivessem se desenrolando no modo automático.
Mas aí vem a segunda metade, quando David O. Russell lembra que está fazendo um filme de gangster e não um de seus dramas rasos. A partir daí, temos uma explosão de humor negro que garante longas e altas risadas, cenas de tensão e suspense típicas de um filme de máfia e, enfim, tudo o que mais gostamos nos anos 1970. Com cenas fortíssimas, essa segunda metade parece até mesmo outro filme, elevando o drama, a comédia e deixando para trás o moralismo chato das primeiras cenas para investir em personagens mais perigosos, cenas sensuais e empolgantes e reviravoltas que, se não forem surpreendentes, pelo menos adicionam um pouco de tempero à trama.
Claro, “Trapaça” continua sendo um dos indicados mais fracos do Oscar deste ano. De certa forma, acho errado que este filme tenha sido reconhecido pela Academia quando é somente um guilty pleasure – mas um baita guilty pleasure. Certamente ainda é um filme de gangster muito light em comparação com os clássicos. Venho ouvindo muitas comparações com o cinema de Martin Scorcese, concorrente ao Oscar deste ano por “O Lobo de Wall Street”, e são comparações válidas. O clima “scorcesiano” de anos 1970 é notável, e talvez o ponto forte do filme. Seria uma homenagem, ou ao menos uma referência? Seja como for, “Trapaça” é um filme deliciosamente old school, o que é bom. Mas, ao mesmo tempo, é extremamente convencional, sem trazer nada de exatamente novo para o gênero – daí o porquê de ser somente um guilty pleasure, somente um filme divertido. Então, vale mais pela sensação setentista do que pelo roteiro em si. De fato, se O. Russell tivesse decidido cuidar somente da direção (que, devo dizer, está impecável na tarefa de relembrar/homenagear os anos 1970) e deixar o roteiro para alguém mais competente (já que os roteiros de Russell raramente se destacam de verdade), o resultado final de Trapaça poderia ter sido muito melhor e muito menos bagunçado.
Então, vamos falar do que todos estavam esperando: as atuações, o real motivo para “Trapaça” atrair tantas atenções e a única categoria passível de prêmios. Christian Bale, como o protagonista Irving, entrega uma de suas já esperadas ótimas performances, já que teve que não só ganhar peso e alterar sua silhueta (mais uma vez), como também simplesmente encarnou um típico malandro americano de 40 anos. Bradley Cooper também está numa ótima atuação, talvez a melhor de sua carreira. Mas o brilho fica mesmo por conta de Amy Adams e Jennifer Lawrence. Pra falar a verdade, as duas são o grande destaque de Trapaça, com atuações intensas e impressionantes, mesmo para o alto nível de ambas. Jennifer está engraçadíssima como a perturbada e imprevisível Rosalyn, garantindo algumas das cenas mais engraçadas de todo o filme, enquanto Amy Adams encanta com a força e com o drama de sua personagem. Espero que no futuro possamos vê-las trabalharem mais juntas. Na tela, elas são simplesmente magnéticas. Eu acho que o que faz todos esses atores tão maravilhosos de se ver é que eles não simplesmente atuam em cena. Eles encarnam seus personagens, criando trejeitos, gestinhos e olhares, principalmente olhares próprios e únicos. Todos eles deixam de ser quem são e se tornam seus personagens – exceto Cooper e Jeremy Renner, mas, bem, eles estão no caminho certo, e um dia chegam lá. Apesar de achar que havia gente muito melhor para indicar a Melhor Ator Coadjuvante do que Cooper, vamos reconhecer que ele evoluiu muito desde seus primeiros papéis e, principalmente, evoluiu de sua regular atuação como Pat em “O Lado Bom da Vida” e até mesmo de seus bons momentos em “O Lugar Onde Tudo Termina”.
No fim das contas, como um filme, “Trapaça” nada mais é do que divertido. Porém, como um exercício de atuação e de nostalgia, é magnífico. Dos concorrentes ao Oscar deste ano, “Trapaça” é um dos mais vulneráveis, com menos chance (ou motivos) de ganhar. Sob o risco de criar polêmica, também acho que não merecia suas dez indicações – por mim, cairiam para 4 ou 5, apenas para reconhecer suas atuações, seu figurino, coisas assim. Minha dica é: assistam o filme descompromissadamente. Às vezes, as pessoas esquecem que um “filme de Oscar” pode acabar sendo só um filme, e, cheios de expectativas, deixam de curtir um filme que não é perfeito, nem ótimo, mas apenas bom e divertido. “Trapaça” é um filme que vale a pena conferir, ao menos para ver as performances deste elenco incrível e nos lembrar do por quê de amarmos tanto os anos 1970 (e seus filmes de gangster).
Nota: 7/10
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