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Como falamos nos post anteriores, todo autor de romance de época e romance histórico trabalha com a História, a diferença está no enfoque e como ela estará presente na obra.

Claro que há os romances que têm um pé em cada tipo (como os meus), ainda assim, todos eles precisam de pesquisa e isso, muitas vezes, pode ajudar a diferenciar um gênero do outro.

E como essa pesquisa ocorre e aparece nas entrelinhas dos romances? Afinal, TODO escritor, além de leitor, é também um pesquisador, pois deve trazer informações o suficiente para passar ao seu público aquela sensação de verossimilhança (somente possível com detalhes que sabemos, vivenciamos ou pesquisamos).

Em primeiro lugar, na hora de montar uma narrativa histórica, deve-se saber: quando e onde? E esse é o ponta pé inicial para a pesquisa. Como era esse lugar naquela época? O que estava acontecendo politicamente e economicamente? Estava em guerra com outras nações? Estava tornando-se independente? Era uma época que havia qual tipo de tecnologia? O que ocorria no mundo e como esse lugar respondia a isso? Essa primeira pesquisa é o que dá o mote inicial e, muitas vezes, o que vai atrair um leitor. Há pessoas que gostam de Julia Quinn exatamente por lidar com um cotidiano campal inglês na época da Regência (na maioria de seus livros). Outro preferem uma Philippa Gregory, que lida com as intrigas palacianas em épocas ainda mais remotas da História inglesa. Outros amam romances vitorianos, e assim por diante…

Por exemplo, meus livros são passados no Brasil Império (mais precisamente, entre as décadas de 1870-80) e eu precisava saber quem estava no poder (D. Pedro II, estamos falando de Império), como era o sistema brasileiro (escravocrata e agrário, grande exportador de café) e as pressões político-sociais que estavam ocorrendo (abolicionismo), qual a gestão (presidente de gabinete) e as leis em voga (principalmente as anti-escravistas). Por que isso tudo se nem é comentado no livro? Exatamente o primeiro ponto! O autor precisa saber com propriedade sobre o lugar e a época em que você fala para evitar “gafes” históricas. E se eu colocasse que já estávamos na República? Ou que a escravidão tivesse sido abolida anos antes do real fato? A menos que tenha uma posição literária muito importante (como Tarantino fez nos filmes Bastardos Inglórios e Era uma vez em Hollywood, em que ele muda o curso da História numa tentativa de “corrigi-la”, ainda que só no universo da Ficção), não faz sentido mudar a História, ou você estará mudando também de gênero. Por que escolher trabalhar no Brasil Primeira República, digamos, se todos os pontos históricos que eu preciso estão presentes no Brasil Império? Se não quer mexer com um assunto importante naquela época da História, seja qual for, por que escolher aquele momento específico? Ou seja, o autor não deve fazer roleta russa das suas escolhas e sim, entender porque está trabalhando com um determinando período, pois aquilo definirá a sua narrativa, os seus personagens e o seu próprio público leitor. Uma coisa que autor de romance de época e histórico não pode ter é preguiça e talvez, seja esse o maior dos males daqueles que não fazem uma boa pesquisa para construir o seu universo histórico.

Depois de ter uma ideia de onde e quando a narrativa transcorre, é preciso saber preenchê-la com uma pesquisa talvez ainda mais profunda (e que, provavelmente, aparecerá mais do que a outra): o quê e quem? O enredo precisa fazer sentido com o momento em que ele está inserido e os personagens precisam ser coerentes com a narrativa daquele período histórico. Aqui, começam as diferenças mais incisivas dos dois gêneros: espera-se que os romances históricos tenham um grau de verossimilhança ainda maior do que nos romances de época, pois a proposta do romance histórico (como mencionamos em outro post) é apresentar um momento histórico e, no caso do outro gênero, é inserir um romance num momento histórico.

Um exemplo, não esperamos que, num romance de época, o mocinho aceite um casamento por conveniência e largue a mocinha e o romance deles acabe assim, ou ela vire amante dele e fique feliz com isso. Já num romance histórico, o autor usa exatamente essas premissas históricas comuns ao período para trabalhar o drama de um romance mal-correspondido ou impossível. Ou seja, o romance histórico usa os instrumentos históricos para criar o seu enredo e personagens e aquilo dar a tensão da sua obra, enquanto o romance de época os usa de maneira mais superficial, pois é preciso desvencilhar deles para que, no final, o casal seja feliz para sempre. Isso, no entanto, não quer dizer que o autor de romance de época precise conhecer superficialmente o período, já que não faz uso dele como o romancista histórico. Na verdade, o trabalho é o mesmo, pois ambos precisam conhecer as “artimanhas”/instrumentos do período escolhido para construir os arcos dos personagens, os enredos e reviravoltas que nos encantam tanto. Portanto, faz diferença na utilização da História na construção da obra e no texto, mas não na pesquisa histórica – esta será a mesma em ambos os gêneros.

Não se deve confundir o que o leitor vê com o que o autor usou por detrás do texto para construir aquilo. A massa de pesquisa é sempre MUITO maior do que o que acaba aparecendo no livro, pois o autor precisa de todo um leque de informações para poder fazer as escolhas mais interessantes para o seu enredo e personagens – e também o que vai demonstrar a sua perícia literária e diferenciá-lo dos outros escritores no mesmo gênero.

E, talvez, a diferença maior, ou seja, aquela que o leitor sente de imediato entre um romance histórico e de época é exatamente a que está nas “camadas mais superficiais” do texto e do enredo: como o autor vai usar esse leque de informações. Ainda que sejam as mais bem aprofundadas em termos de pesquisa, pois é o primeiro contato com o leitor com aquela época histórica, é o que nos remete ao gênero, os detalhes que sugiram através de perguntas: Como e Porquê? Como se bebia chá? Como se ia ao banheiro? Por que usavam cavalos? Quanto tempo demorava para chegar uma carta? Ou em quantos meses se atravessava o Atlântico? Por que as mulheres não podiam olhar nos olhos dos homens? Por que um nobre é quem deveria ser apresentado a um “inferior” na escala social e não o contrário? Esses detalhes que são os mais percebidos pelo leitor são fundamentais para já darem aquela roupagem histórica a ambos os gêneros. E a quantidade com que isso aparece no texto vai depender do autor e não necessariamente do gênero. romancistas históricos que usam muitos detalhes como Bernard Cornwell e Umberto Eco e outros que a História se concentra mais no enredo do que nos detalhes como Alberto Mussa e Maria José da Silveira (quem, inclusive, eu amo, pois mantêm um estilo muito próprio e gostoso de ler). No caso dos romances de época, temos Julia Quinn que trabalha mais o enredo do que os detalhes, enquanto há Mary Balogh ou Madeleine Hunter que são mais “preciosistas”.

Como podem ver, textos são camadas narrativas que estão amarradas entre si e algumas são mais imediatas ao leitor do que outras. Podemos, então, dizer que ambos os gêneros necessitam de muita pesquisa, mas a maneira como o autor irá trabalhar isso no enredo/personagens é o que demarcará o gênero e, em alguns casos, a sua marca autoral; e a forma com que o mesmo trabalhará isso no texto é que fará diferença no seu estilo pessoal.

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Mione Le Fay é carioca, formada em Jornalismo. Escritora, professora de informática, apresentadora e produtora de eventos. Apaixonada por livros e fotografias, encontra nesses nessas duas artes uma forma de mostrar tudo o que existe em seu mundo.

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