“Os agentes do FBI Olivia Dunham e John Scott são chamados para investigar o caso de um avião que pousou no aeroporto de Boston com todos os seus passageiros e tripulação mortos de forma terrível. John quase morre durante a investigação e Olivia, desesperada, procura alguém que possa ajudá-la a resolver o caso. Parece que o brilhante Dr. Walter Bishop seria a pessoa certa para recorrer. Mas ele esteve numa instituição psiquiátrica durante os últimos 20 anos e a única maneira de interrogá-lo é através do seu filho, Peter Bishop, quem ele não vê há muito tempo. A investigação de Olivia acaba envolvendo diversos outros agentes do FBI e todos estão prestes a descobrir que o que aconteceu no vôo 627 é apenas a pequena parte de uma verdade muito mais chocante.”
Primeiramente, peço desculpas pela incrível quantidade de spoilers que posso acabar soltando neste texto, mas é bastante difícil falar sobre algo que não é somente um fim, mas o fim de um dos maiores fenômenos cult modernos sem deixar escapar um detalhezinho sequer.
Afinal, Fringe não apenas trouxe de volta a glória da ficção científica, como também redefiniu-a ao trazer um toque de humanismo que alavancou a história a um nível poucas vezes visto antes na televisão. Dito isto, reafirmo: Fringe é um fenômeno. Cem episódios divididos em cinco temporadas que marcaram pessoas de diferentes lugares, culturas e filosofias. Uma série de TV que a cada semana trazia uma profunda reflexão dentro de seu episódio, emocionando e nos instigando a ir além das fronteiras da narrativa moderna.
Muitos de vocês talvez se lembrem de quando a série estreou sua primeira temporada de vinte episódios em 2008, com J. J. Abrams (criador de Lost) escrito em letras garrafais como principal tática de promoção da série.
Até hoje, o nome de titio Abrams causa grande comoção. Então, para muitos, quando o episódio piloto estreou, com 82 minutos (o dobro de duração dos episódios convencionais) e sob o custo de US$ 10 milhões (mais que o quíntuplo do orçamento dado a muitas séries, de maneira que o primeiro episódio de Fringe tornou-se um dos mais caros da história), a nova série foi uma grande decepção.
Claramente, a produção, história, ciência, enfim, a conjuntura geral não fazia jus às expectativas de uma série prometida como “o novo Arquivo X”. As próximas semanas também não geraram grande contentamento: parecia que logo a ótima audiência de Fringe começaria a declinar, já que em seus primeiros episódios a série já parecia fadada a cair numa fórmula. Eu, particularmente, confesso: amei Fringe desde o primeiro momento. Sou apaixonado por cada episódio, cada caso, cada personagem – mesmo que a reação inicial do público e crítica a esses fatores tenha sido dividida.
A “má fase”, entretanto, não tardou a passar: em dezembro de 2008, iria ao ar o décimo episódio da primeira temporada. As expectativas quanto a série, já baixas naquele ponto, ganharam novo vigor: o episódio, intitulado de “Safe” (“Cofre”, no Brasil), deu novo sentido a tudo que havia acontecido na série até ali e começou a costurar a mitologia que logo se firmaria como uma das mais geniais de todos os tempos.
“Safe” foi, de fato, o ponto de virada para a série. A partir daí, nós, os telespectadores, provamos do potencial imenso que Fringe teria – sem imaginar que coisa ainda melhor estava por vir. Foi aí que descobrimos que, afinal, não havia fórmula para Fringe: estava longe de ser Arquivo X ou Lost. Estava começando a desenvolver uma identidade própria, que seria melhor explorada na segunda metade ainda da primeira temporada.
Com essas novas informações em mãos, somos apresentados ao conceito que definiu a série: os universos paralelos. Mundos muito parecidos com o nosso, porém “ligeiramente” diferentes – dedico grandes, gigantescas aspas para esta definição. Afinal, um exemplo dessas “pequenas” diferenças é que a varíola jamais foi erradicada no Outro Lado (o apelido para o universo paralelo), e que no Lado B também não existem aviões; em vez disso, as pessoas se transportam por meio de dirigíveis. Não somente isso, como conhecemos um pouco do passado de Olivia – o qual nem mesmo ela parece conhecer – e de Walter, o ponto de partido para toda a série.
Após sua primeira temporada, que terminou numa nota genial (e polêmica), a série começou a enfrentar as dificuldades que mudariam seu rumo. Fringe, que originalmente ia ao ar na terças, num horários relativamente fácil de se ter boa audiência, foi jogada para as quintas, para competir com séries já veteranas como CSI e Grey’s Anatomy.
Foi a partir daí que a audiência entrou em declínio, apesar de a cada episódio a série adicionar um ótimo desenvolvimento de personagens e elementos mitológicos mind-blowing. Mas, como nem sempre qualidade significa sucesso econômico, a série, já criticamente aclamada e com uma fanbase fiel, começou a sentir o risco de cancelamento pairando sobre sua cabeça – isso em meados da segunda temporada.
Daí até seu fim, Fringe sofreu com o constante risco de acabar sem final, sendo inclusive jogada para as sextas-feiras – conhecidas como “death slot” (“o horário da morte”, em tradução livre) por ser um dia em que a televisão encontrava baixíssima audiência, e por que séries nesse horário costumavam ser rapidamente canceladas.
Entretanto, Fringe sobreviveu, até dar seu suspiro final na quinta temporada. A série, que inicialmente fora planejada para sete ou oito temporadas, viu seu tempo de vida encurtar (bem como seu orçamento, que diminuiu como maneira de manter a série viva) e muitos de seus fãs abandonarem o novo modelo que a narrativa adotava – isto é, algo mais autocentrado, menos disperso.
Cada episódio era especialmente essencial para entender a série como um todo – ao contrário do que acontecia nas duas primeiras temporadas, que tinham lá seus episódios mitológicos (que construíam a história dos universos paralelos), mas também tinham seus fillers (casos da semana que não tinham nada a ver com a história geral).
É com isso – a mudanças de temporadas, o perigo do cancelamento, o avançar da mitologia e uma grande batalha iminente – que começa uma das grandes discussões que cercaram a série e seus cem episódios: quem você realmente é? O que você realmente sente? Quem você poderia ser, se mudasse algo em seu passado? Mais que isso: você é capaz de mudar? É capaz de esquecer a dor, de ser feliz, de amar? É capaz de esquecer quem você é para ser alguém melhor? É capaz de fazer valer a pena? É capaz de lutar contra o destino e mudar passado, presente e futuro?
Encontramos essas questões filosóficas e sublimes em diversos momentos, maneiras e situações diferentes; a introdução dos personagens do Outro Lado, isto é, alter-egos dos personagens que conhecemos desde o primeiro momento de Fringe, nos mostra isso claramente: poderia nossa Olivia, uma personagem fria e cheia de medos reprimidos em seu psicológico problemático, ser uma mulher solta, alegre, de bem com a vida – e, o mais importante: ruiva – caso sua mãe não tivesse morrido e/ou não tivesse sofrido maus-tratos do padrasto? Pois esta é a Olivia do universo paralelo. B-Olivia, Fauxlivia, Olivia Ruiva, Olivia Puta, enfim, chamem do que quiser, todos os adjetivos são justos e bem colocados. E quando nosso Walter tem que enfrentar seu passado ao confrontar o homem cuja vida (e universo) ele destruiu, o Walter Alternativo, ou simplesmente Walternativo?
Fringe distribui questões sobre vida, morte, humanidade e identidade ao longo de sua vida como série. Uma conspiração contra um dos maiores homens do mundo, uma guerra entre universos, experiências feitas em crianças para criar um exército, inimigos invisíveis vindos do futuro – tudo cria a magnífica atmosfera sci-fi da série, além de uma grande mensagem de vida. Você consegue esquecer aqueles que deixou para trás? Consegue sacrificar o que você mais ama? Você seria capaz de destruir tudo o que existe para salvar uma vida?
Fringe jamais foi apenas uma série. Foi um conto, uma odisseia de melancolia, tristeza, derrotas e morte. Uma fábula sobre a qual nenhum de nós, que acompanha a série desde o inicio, poderá esquecer. Uma história sobre ciência que acaba nos lembrando de Deus, de nós como humanos, de nossos iguais – de esperança.
Fringe é uma grande alegoria sobre amor e esperança. Uma história sobre família e sacrifício, como vemos à medida que os personagens vão se entregando para salvar aqueles que amam; como cada ato, mesmo mínimo, tem um imenso significado.
Com sua baixa audiência e falta de reconhecimento dos grandes prêmios da televisão americana, como Emmy (que foi muito criticado por crítica, pública e impressa por todos estes anos não indicar Fringe, fosse pela série em si ou pela atuação), a série se firmou entre o público cult, com suas referências a obras primas de todos os gêneros (desde Blade Runner, Doctor Who e 1984 até David Bowie e Pink Floyd) e até mesmo à contos da Bíblia (que não devo mencionar aqui para não dar spoiler), e com seu caráter desenvolvimentista, nos tornando íntimos das histórias, dos personagens e seus dramas até o ponto em que estes fazem parte de nossa vida.
Entre as razões para começar a assistir a série, estão os personagens magnificamente construídos, as atuações que chegam a ser inacreditáveis – particularmente as de Anna Torv e John Noble, que não precisam de muito tempo para quebrar seu coração –, a história criativa e a narrativa original e inédita.
Isso sem contar o clima altamente nerd e o humor sublime da série, que te faz rir nos momentos mais inimagináveis, transformando as coisas mais nojentas em uma situação que chega a ser fofa. Mas se você prefere grandes explosões, ação sem sentido, personagens bobos e indefesos e a sensação de “não! não entra aí!”, esta não é a série para você.
Fringe gosta de trabalhar o lado mais inteligente e emocional das coisas, e dificilmente você encontrará algum clichê de filme de terror ou achará a série previsível – lembre-se de que não são precisos mais de trinta segundos para mudar tudo, e Fringe é mestre nisso. Não importa o quanto você se prepare, Fringe vai te emocionar; vai quebrar seu coração; vai te fazer rir, vai te fazer chorar; vai te surpreender, e te fazer cair da cadeira. Fringe é uma série emocionante e cheia de reviravoltas, que não passa despercebida facilmente.
Hoje, dia 18, completam-se 2 meses desde que foi ao ar o último episódio da série, “An Enemy of Fate” (“Inimigo do Destino”, em tradução livre). Um episódio que destruiu os fãs, e deixou claro novamente que Fringe deixa um imenso vazio em nossas vidas.
A série, entretanto, não acabou. Atualmente, existem duas séries de HQs, cada uma com 6 edições, lançadas somente em inglês, e um livro de acompanhamento à série, “September’s Notebook” (“O Diário de Setembro”), que traz informações sobre casos das cinco temporadas e situações do ponto de vista de Setembro, bem como a linguagem dos Observadores – figuras chave da mitologia da série.
Futuramente, está para ser lançada uma trilogia de livros, cada um contando o passado dos três personagens principais da série – Olivia, Peter e Walter. E ainda, foi levantada a questão de que poderia haver um filme da série. Até agora, não passam de rumores, mas a possibilidade foi lançada.
Fringe, afinal, pode não ter acabado. A história já se tornou atemporal, e continua para sempre em nossos corações.
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