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A biografia da atriz Checa que, durante a Segunda Guerra Mundial, se tornou amante de Joseph Goebbels, Ministro da Propaganda do governo nazista alemão. Em 1934, Lída Baarová foi convidada para atuar nos estúdios de Babelsberg, considerado a Hollywood européia. Ali ela conheceu Hitler e seu ministro Goebbels, viveu relações intensas com homens importantes e viu de perto as atrocidades nazicistas.

Com certeza este filme é uma daquelas obras preciosas perdidas no catalogo do Netflix que você precisa assistir. O filme biográfico conta parte da trajetória da atriz tchecoslovaca Ludmila Babkova, conhecida artisticamente como Lída Baavorá. Lançado em 2016, o filme é uma produção de Filip Renc e traz Tatiana Pauhofová no papel Lída Baavorá.

Logo no inicio do filme, conhecemos uma Baavorá já bastante idosa, nitidamente amargurada mas disposta a ceder uma entrevista para uma estudante em sua pesquisa acadêmica. Uma vez iniciada a entrevista, a trajetória de Lída se divide então entre o passado e o seu presente e então o telespectador fica a par dos caminhos traçados pela atriz que a levaram a torna-se amante de uma das figuras mais emblemáticas do partido nazista, Joseph Goebbels (Karl Makovics).

A trajetória de Lída Baavorá é o que podemos chamar de uma mistura sinistra entre conto de fadas e pesadelo. Nascida em Praga, em 1914, a atriz parte para a Alemanha na década de 30 para tentar carreira no cinema alemão que naquele momento florescia devido aos investimentos do Partido Nazista, uma vez que o cinema era um importante instrumento de divulgação da propaganda nazista.

Inicialmente enfrentando alguns obstáculos, a atriz logo deslancha numa carreira meteórica ao ser contratada pelo mais famoso e importante estúdio de cinema da Alemanha, o UFA. Lá ela consegue o papel principal para atuar no filme Barcarole, contracenando ao lado de um importante galã do cinema alemão do período, Gustav Fröhilich (Gedeon Burkhard), por quem ela tinha uma imensa admiração e com quem ela vive um inacreditável caso romântico nos bastidores.

Sua carreira em rápida ascensão atraiu dinheiro, fama e também a atenção de figurões nazistas como o próprio Hitler. Mas sua maior aproximação com o que ocorria na Alemanha dar-se depois que ela decide ir morar com Fröhilich e se torna vizinha de Joseph Goebbels. Principal ministro de Hitler e idealizador da ideologia nazista, Goebbels era tido como uma figura estranha (baixinho e manco), que mesmo casado e com filhos, sustentava a fama de mulherengo.

Lída Baavorá logo se torna alvo das investidas e cantadas românticas de Goebbels. Ao conseguir os melhores papeis e oportunidades (muito devido a influencia do ministro), ela logo se torna  a atriz mais famosa da Alemanha, a ponto de receber uma grande proposta de trabalho no cinema americano, que naquele momento disputava com a Alemanha pela a hegemonia no mercado cinematográfico. Após muito insistir e após Baavorá terminar seu relacionamento com Fröhilich, ela se torna enfim amante de Joseph Goebbels e embora a atriz não soubesse, tal decisão como sua recusa de trabalhar no cinema americano, foi um divisor de águas não apenas para sua carreira, como também para sua vida pessoal.

É de conhecimento geral a forma com a qual a experiencia nazista chegou ao fim, o que trouxe e carregou com ela e o que deixou para quem sobreviveu a ela. Portanto, acho pertinente fazer algumas considerações quanto ao papel desempenhado por Lída no contexto e sobre algumas filtros sobre o nazismo que o filme coloca em tela.

Em primeiro lugar e talvez a consideração mais assustadora, é a de que os nazista, frequentemente retratados como monstros sem sentimentos, eram humanos como nós. Sim, humanos como nós. Tinham família, toda uma vida particular, desejos, aflições, eram capazes de amar, de se sentirem desconfortáveis. Eram capaz de sentir. Que doido não?Mas é este lado doméstico do nazismo que o filme trabalha ao passo que paralelamente acompanhamos os atos atrozes e hediondos como os ocorridos na noite que ficou conhecida como “A noite dos Cristais” do qual nossa Lída do filme foi uma de suas testemunhas.

Joseph Goebbels fica tão apaixonado por Baavorá, que pensa em renunciar ao seu cargo, sua excelente posição social e casamento, precisando uma ajudinha do fuhrer para se “manter na linha”. Nesse parte entendemos que a palavra de Hitler era lei e estava a cima de tudo e de todos, Lída toma conhecimento disso da pior forma possível. Além de ficar sem Goebbels, ela fica proibida de deixar a Alemanha e de atuar em qualquer coisa que fosse, ela também se torna prisioneira de suas próprias escolhas.

O segundo ponto, eu já falei no primeiro. Enquanto acompanhamos o lado doméstico do nazismo, vemos as atrocidades acontecendo paralelamente ao nítido desenvolvimento econômico da Alemanha. Nossa atriz viveu bem no meio desses desdobramentos, sendo testemunha ocular, mas sem se chocar o suficiente ou sendo indiferente ao que acontecia, como muitos alemães do período, que como Lída, foram também beneficiados , indireta ou diretamente, conscientes ou não, pelo crescimento nazista pela Europa.

Sem ter como trabalhar, vigiada 24 horas e depois de tentar o suicídio, Lída consegue fugir para a Tchecoslováquia, para a casa de seus pais e fora da Alemanha precisa confrontar a pergunta que todos nós nos fazemos em nosso íntimo enquanto assistimos: como ela teve coragem de se relacionar com um monstro daqueles?A resposta nos é dada pela própria Lída do filme: Talvez eu realmente o tenha amado, é a única coisa que explica. E como uma terceira colocação, nos cabe se perguntar até onde Lída merece ser julgada e condenada pelo “crime” que cometeu, apaixonar-se por um dos principais líderes nazistas, tendo em vista que por mais que a gente não goste, e brinque dizendo que nazista nem é gente, a verdade terrível é de que eles foram sim gente como a gente e portanto passiveis a sentimentos, dos mais nobres como o amor, ao mais obscuro como o antissemitismo que deu corpo e alma ao Holocausto. Até que ponto a relação de Lída com Goebbel foi além de simples ambição de uma jovem mulher?Até aonde ela foi mais mulher do que atriz?

Talvez mais do que um filme biográfico, seja um filme que fale sobre nossas escolhas, do alcance que elas têm e como elas podem nos marcar e a quem amamos pelo resto de nossas vidas. Depois do fim da guerra e a derrota das ambições nazistas, Baavorá é acusada de traição, é presa e ver sua família inteira se desestruturar de forma trágica e amarga. Mesmo retomando sua carreira posteriormente, ela se torna uma idosa amarga e solitária, assustadoramente sem arrependimentos, mas que pagou a fogo e ferro pelo caminho que escolheu.


 
 

Mione Le Fay é carioca, formada em Jornalismo. Escritora, professora de informática, apresentadora e produtora de eventos. Apaixonada por livros e fotografias, encontra nesses nessas duas artes uma forma de mostrar tudo o que existe em seu mundo.

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