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Hoje nessa nossa terceira entrevista a gente trouxe o talentoso autor, e professor Vinícius Fernandes. Ele escreveu a distopia “O Anjo da Luz”,  que é um livro super politizado e que crítica a sociedade e o autoritarismo.

No Meu Mundo –  “Qual é a melhor coisa em ser um autor?”

Vinícius Fernandes – “Então, eu acho que a maior vantagem imediata de ser autor é exatamente isso, poder criar de uma maneira ilimitada e você poder colocar pra fora. Você me perguntou quais seriam as melhores coisas, porque se eu fosse listar outras, seria também a questão do prestígio. Quando você fala que escreveu, que escreve, as pessoas te olham com outro olhar. Eu acho que essas duas coisas juntas são as melhores coisas que tem.”

No Meu Mundo – “O seu livro tem uma pegada política bem grande, de onde veio essa inspiração de escrever uma distopia e abordar temas como o autoritarismo?”

Vinícius Fernandes – “Então, o que acontece é que sempre gostei muito de História. E eu também não sei explicar o porquê de sempre ter tido uma tendência a criticar tudo, tudo que estava a minha volta, sempre tive uma visão muito crítica das coisas. Eu acho que a união desses elementos fez com que eu me sentisse muito atraído pelas histórias sobre o caos, enquanto eu via a minha volta muito caos sem ideologia e muita ideologia sem caos. Na verdade, eu queria criar a união das duas coisas, algo muito semelhante à Revolução Francesa, vamos colocar assim, que é uma das minhas partes preferidas da História. Só que eu via, na nossa realidade brasileira, sempre um desses dois elementos ausente. Eu queria escrever, de uma forma caricatural, um futuro construído a partir de elementos do presente, de maneira distorcida, exagerada, mas que fosse a união de todos os componentes da realidade presente. E aí eu construí esse futuro e queria colocar toda minha crítica sobre o presente dentro desse futuro distópico. Então, na realidade, acho que quando distorcemos a realidade, as vezes podemos enxergar ela com mais clareza, porque quando as coisas estão exageradas, quando a gente consegue sentir melhor é a aquela história: “Se eu aumentar a passagem de 10 em 10 centavos, não consigo ver o abuso. Se eu aumentar de 10 para 100, vou conseguir ver muito melhor, de maneira muito mais clara, esse abuso. Então acho que a distopia é um mecanismo que possibilita que as pessoas enxerguem de maneira mais clara, mesmo com todas as distorções, aquilo que elas vivem de negativo no presente. Então, basicamente, essa é a minha maior atração pela distopia, essa água turva que reflete as coisas de maneira tão nítida.”

No Meu Mundo – “Sei que você é professor, algum aluno seu já chegou com seu livro na aula? Ou conversou com você sobre seu livro? Como foi a sensação?”

Vinicius Fernandes – “Na verdade, alguns alunos compraram, realmente, mas nunca chegaram a levar para a aula, alguns foram ao lançamento e outros compraram posteriormente, até porque já tinha sido lançado e souberam depois. Mas teve uma situação curiosa, que foi quando eu estava substituindo uma professora em uma escola e eu falei meu nome, Vinícius Fernandes, e acho que cheguei a comentar por alto que tinha lançado um livro, e uma aluna virou pra mim e falou: “Ah, professor, eu acho que meu irmão tem seu livro, seu livro não é alguma coisa sobre capitalismo e” aí ela falou o que ela conseguiu né, algumas palavras chave, e eu falei: “Poxa, é isso mesmo.”. Aí ela contou que ele estava andando na livraria e comprou, mas que ia confirmar com ele. Aí falou que realmente era e que ele tinha gostado do que ele leu e eu fiquei muito feliz, porque não sabia que poderia ter esse alcance sem a minha divulgação. Na verdade, eu não tinha divulgado o livro, então eu me senti muito bem, foi uma sensação muito boa e é meio que inexplicável, ver um trabalho que você faz por prazer tendo uma repercussão e um retorno é bem legal. Muitos alunos já conversaram comigo sobre o livro e os resultados sempre foram muito positivos, isso me deixa muito feliz toda vez que acontece.”

No Meu Mundo – “Seu livro é uma crítica bem clara a sociedade de hoje é leva ao leitor a ter uma visão mais crítica da realidade. Na sua opinião, qual a importância de livros assim para os jovens?”

Vinícius Fernandes – “Eu acho que o mais importante de tudo, em livros como esse, que trazem críticas por trás de uma ficção, é que ele faz com que as pessoas abram os olhos. Esses livros levam à reflexões nunca antes feitas. Então eu acho que é muito importante para conduzir jovens a novos pensamentos críticos, ainda que seja para discordar. Mas ainda assim faz com que novas visões sejam apresentadas. Nós vivemos política, nós vivemos economia, não é? Nossa realidade social circunda a gente, só que a maioria das pessoas está entre vitrines ou lixos, e elas precisam sair dessas vitrines, sair do lixo e precisam ver o porquê daquilo. E precisam ter novos pontos de vista sendo apresentados, ter novas explicações para aquilo. O camarada do lixo tem que ter noção do camarada da vitrine e vice-versa. Então eu acho que livros que ajudam a criar esse tipo de reflexão são muito importantes. Não sei se meu livro alcança bem esse objetivo, mesmo com algumas pessoas dizendo que sim, mas conheço muitos outros que me ajudaram a perceber coisas, a perceber elementos do mundo a minha volta, me levar a reflexões inéditas. Acho que esse é o principal ponto.”

No Meu Mundo – “Agora vou falar sobre um assunto um pouquinho mais chato, por ser professor e também ser do meio LGBTQ  já sofreu algum tipo de preconceito por isso?”

Vinícius Fernandes – “Nunca tive problemas, até porque todas as vezes que trabalhei em escolas de ensino fundamental e médio, eu procurei manter a discrição, até mesmo para não dar nenhum problema, não por falta de orgulho, mas por questões capitalistas, vamos dizer assim. Mas já vi gente ter problema sim, inclusive recentemente, duas professoras conhecidas tiveram esse problema, porque tiraram uma foto juntas e uma postou para a outra com uma frase de superação, porque uma delas estava passando por um momento de dificuldade. E o que aconteceu foi que uma das mães tinha elas no Facebook, viu a foto e deu o maior problema e foi na escola cobrar, “Que história é essa de professoras lésbicas dando aula para minha filha?”, e o que aconteceu foi que ao invés de cortar a mãe, a diretora deu razão e chamou a atenção das professoras, que ficaram arrasadas, principalmente pelo fato de que, se realmente fossem lésbicas, qual seria o problema? Mas a questão é que nem verdade era, então elas se sentiram duplamente injustiçadas. Então, nesse momento, tirei a diretora do meu Facebook, tirei alunos do meu Facebook, tirei muita gente ligada a escola, por não querer problemas comigo, mas se alguma vez acontecesse, não iria baixar minha cabeça, ia me impor. Até porque em todas as minhas redes sociais tenho padre, pastor, muçulmano, mãe de santo, drag Queen, irmã da igreja, todo mundo está lá e nunca tive problema. Então não ia ser uma escola que iria criar problemas nas minhas postagens ou nos meus comentários. Se eu vejo que a pessoa tem essa postura, excluo imediatamente. Então, em resumo, nunca passei por isso, mas já vi colegas passarem. A sociedade brasileira ainda é extremamente conservadora, até mesmo as novas gerações parecem retroceder em alguns momentos e parecer ser também bem conservadoras, inclusive já vejo muita maldade em crianças e adolescentes em relação a bullying com o assunto LGBT, alunos meus sofrendo quase que diariamente, mesmo não sendo necessariamente, mas apresentando comportamento e sofrem por isso. Infelizmente é uma realidade das escolas, do meu ambiente de trabalho.”

No Meu Mundo –  “Homofobia ainda é uma coisa muito grave e infelizmente comum nos dias de hoje, como você acha que a literatura poderia ajudar a melhorar isso?”

Vinícius Fernandes – “Sem dúvidas a literatura poderia ajudar mostrando histórias que refletissem as consequências disso, desse mal. Seja a história de vítimas que foram vítimas por pais, vítimas por colegas de escola, vítimas por agressores na rua, diferentes histórias, porque tem muitas delas na vida real. Não necessariamente elas precisam ser reais, mas pelo menos ficções que pudessem tocar esse ponto. Ver até como alguns de nós, mesmo sendo gays, conseguimos ser preconceituosos e parte desse preconceito, pelo menos do meu preconceito, caiu quando eu vi histórias com outras pessoas e vi que são todos seres humanos né? Então não é porque ele é um travesti que ele escolheu ser daquela forma. Aliás, não tem nada de errado com isso. Eu demorei muito para evoluir porque a sociedade tem um preconceito tão forte que ela consegue transformar a própria vítima em preconceituosa. Eu já fui assim. Então, bem como os afeminados sofrem preconceito dentro do meio gay, inclusive o próprio fato de ser passivo também, o passivo também sofre muito preconceito no meio gay. Então tem preconceito por todos os lados. Eu acho que a literatura poderia explorar muito isso ainda, porque existem mil facetas. Então acho que deveria ser dessa forma, seja com ficção, seja com histórias reais, ficções inspiradas em fatos reais. Acho que pode ajudar muito sim, só que de uma forma um pouco estratégica, porque acho que, como vivemos em um mundo ainda muito preconceituoso, a estratégia seria alcançar, inclusive, a massa fora do grupo. Acho que deveria existir sim uma literatura voltada para o grupo, mas também aquela estratégica, que toca do lado de fora.”

No Meu Mundo –  “Você algum dia já teve medo de não poder trabalhar com o que trabalha hoje, por ser LGBTQ ?”

Vinícius Fernandes – “Não, nunca tive medo em relação a essa questão de trabalho. Eu já tive medo por questões sociais, não no geral. Família, religião (quando eu tinha uma), mas depois que me desprendi de tudo e a família soube, não tive medo mais não. O que tenho é só precaução, pra não deixar as duas informações se misturarem, podendo prejudicar no lado financeiro e etc. Mas, de resto, nunca tive medo.”

No Meu Mundo –  “Voltando ao livros, você tem algum projeto para um livro novo?”

Vinícius Fernandes – “Claro, claro, tem sim. Na verdade esse que eu lancei foi o primeiro de uma série de livros que se passam todos no futuro e eu comecei pela última história. Então o segundo livro já está com a editora, prestes a ser lançado, e vai ser sobre a história que se passa antes. É totalmente diferente, aparentemente com personagens diferentes e as histórias só se juntam, só se engancham no final, nas últimas páginas. Então é isso, são 5 livros, em princípio. 4 a 5 livros é a previsão para a série.”

No Meu Mundo –  “Que a atual situação política está parecendo uma novela a gente já sabe, mas se você estivesse escrevendo esse enredo, qual seria o fim para Temer e todos envolvidos na Lava jato?”

Vinícius Fernandes – “Olha, eu acho que o fim dele seria bem diferente em uma história minha de ficção pro que eu realmente gostaria na realidade. Mas se eu estivesse escrevendo essa história, eles teriam um fim muito bom, na verdade. Muito bom porque os maiores culpados deles estarem lá somos nós, então nós é que devemos ter o fim ruim. Na maior parte das histórias que criei, esbocei, escrevi, geralmente os papéis se invertem no fim. Os vilões na verdade não são bem vilões, eles foram criados pela massa, pela população. E são criados pela população e muitos deles vem dessa mesma população. Como diz Hobbes, é da natureza humana, a natureza humana é que é o problema de todo e qualquer sistema. O problema não é o capitalismo, o problema não seria o socialismo que nunca existiu, o problema não seria o feudalismo, o problema se chama natureza humana. E quando aquele camarada que é feirante passa a ter a oportunidade de subir a um dono de rede de televisão, ele vai ser o dominador, ele vai passar de dominado para dominador. Ele não vai ser humilde na transição dos seus papéis, é apenas uma questão de oportunidade, se a gente consegue passar para o lado dos 3%, a gente vai passar. Então os vilões da minha história não costumam ter um fim tão ruim e, geralmente, tento inverter os papéis e encontrar argumentos bem plausíveis para que essa inversão seja entendida. É claro que não estou tentando colocar a culpa da miséria no miserável, mas todos nós fazemos parte de uma mesma espécie, existe algo na natureza que faz de nós um pouco ou muito culpados em relação ao que acontece a nossa volta e, sim, esse seria o fim em uma história minha de ficção. Na realidade, quero que todo mundo apodreça na prisão. Essa que é a minha visão na realidade, quero, inclusive, que ele nem consiga completar seu mandato, gostaria muito que ficassem na mesma prisão, Temer e Aécio. Gostaria de ver também Lula e Dilma presos também, porque são todos farinha do mesmo saco e quem defende um e está contra o outro comete um contrassenso porque, na minha opinião, não é possível ser contra um e defender outro. Ou você é a favor de todos ou é contra todos e eu sou contra. E se você questionar: “Ah, mas você se contradiz em relação a isso, porque na ficção você diria que eles se dariam bem porque a culpa é nossa.”. Não é assim, mas na ficção o intuito é abrir os olhos da população, das pessoas em geral, mostrar pra elas que também somos culpados. Na realidade, eu acho que há outros mecanismos dentro da vida cotidiana que podem fazer isso também, até porque grande parte das pessoas não lê. Então acho que se deve tentar outros mecanismos e claro não livrar eles da prisão na realidade. Então é só importante fazer essa observação da separação do destino que eu dei na realidade e na ficção para os mesmos personagens políticos.”

Esse foi o fim dessa entrevista maravilhosa e que ficou super “papo cabeça”, quero agradecer ao Vinícius Fernandes por nos dar essa oportunidade. Para quem quiser conhecer e acompanhar ele, aqui está o link das redes dele:

www.facebook.com/oanjodaluz

www.facebook.com/vini.bond.7

Twitter: @vfernandes1988

Instagram: viniciusfernandesautor

Mione Le Fay é carioca, formada em Jornalismo. Escritora, professora de informática, apresentadora e produtora de eventos. Apaixonada por livros e fotografias, encontra nesses nessas duas artes uma forma de mostrar tudo o que existe em seu mundo.

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