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Um culto demoníaco? Uma maneira de aliciar jovens às drogas e ao sexo precoce? Mas o que é, afinal, RPG?

Quando ouvimos falar em RPG, a maioria de nós deve imaginar – se não as coisas absurdas acima – jogos de computador ou videogame. Quase sempre, esses jogos têm temática “medieval” ou usam signos geralmente associados à Idade Média, ainda que esses signos possam não estar historicamente corretos. Mas, será que é isso mesmo?

Na realidade, esses jogos eletrônicos são inspirados nos RPGs. E essa inspiração não reside no fato desses jogos apresentarem uma temática (ainda que incorreta) medieval. O que determina a inspiração rpgística, vamos dizer assim, é o fato desses jogos contarem uma história em que o jogador é o personagem principal. Ele pode tomar decisões e essas decisões influenciam diretamente na história. Isso é o que define um RPG – o protagonismo do jogador. Não no sentido de encarnar o herói, porque isso todos os jogos fazem, mas no sentido de tomar decisões que alteram o rumo da narrativa.

Os RPGs surgiram nos anos 1970, como uma variação dos chamados WarGames, jogos de guerra que se utilizavam de miniaturas e nos quais os jogadores controlavam exércitos e se enfrentavam uns aos outros. O jogo de Batalha Naval, muito famoso aqui no Brasil, é um excelente exemplo de WarGame.

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Gary Gygax e Dave Arneson, os culpados.

Em determinado momento, os norte-americanos Gary Gygax e Dave Arneson, criadores do WarGame Chainmail (1971), se perguntaram o que aconteceria se, ao invés de controlar exércitos, os jogadores pudessem controlar determinados personagens-chave desses exércitos, se responsabilizando por ações individuais com potencial de mudar completamente o rumo da disputa. Assim, eles criaram o que nasceu para ser um spin-off de Chainmail, a primeira versão de Dungeons & Dragons (1974), o primeiro RPG do mundo.

Neste jogo, que tinha temática fantástica, os jogadores podiam interpretar personagens como guerreiros e magos; possuíam poderes e habilidades especiais e ainda podiam optar por serem humanos ou integrantes de alguma raça mágica, como halflings e elfos.

A ideia logo ganhou corpo e conquistou seu próprio mercado. O D&D, que é publicado ainda hoje e está em sua quinta edição, se tornou o primeiro, o mais famoso e também o mais jogado RPG do mundo. Diversos outros autores, fascinados com a ideia, seguiram pela brecha aberta por Gygax e Arneson e assim surgiram muitos outros títulos, sobretudo nos anos 80 e 90.

Em 1978, a editora Chaosium lançou o famoso RuneQuest, também de temática fantástica. Em 1981, Sandy Petersen lançou, pela mesma Chaosium, Call of Cthulhu, baseado no mundo sombrio criado principalmente por HP Lovecraft. Em 1991, nasceu o RPG sueco Kult, também de horror, com fortes influências de Clive Barker e H. R. Giger. No mesmo ano, a editora norte-americana White Wolf lançou Vampiro – A Máscara, um estrondoso sucesso do mundo dos RPGs, baseado principalmente na literatura gótica de Anne Rice. E, em 1994, nasceu pelas mãos do brilhante Michael Alyn Pondsmith o RPG chamado Castle Falkenstein, com temática vitoriana e steampunk, em minha humilde opinião uma das maiores obras-primas do gênero.

Tudo isto só para citar apenas alguns dos nomes mais famosos do mercado. Hoje há mais de uma centena de títulos, alguns bastante recentes, como o fabuloso A Bandeira do Elefante e da Arara, de temática fantástica ambientada na história do Brasil, baseado no romance homônimo de Christopher Kastensmidt.

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Neste tempo de apenas quatro décadas, o RPG cresceu, se modificou, ganhou novos sentidos e se consolidou como um gênero próprio, influenciando outras mídias, como os jogos eletrônicos e o mercado de audiovisual.

Eu costumo dizer que RPG não é apenas um jogo, mas o casamento perfeito entre literatura e jogo. Por quê? Por causa da maneira como se joga.

RPG é sobre contar histórias. Para jogar, você precisa de um grupo de amigos. Um deles assume a posição de Mestre, ou, como alguns preferem chamar, Narrador. O Narrador é o único que conhece os pormenores da história que será contada, chamada de Aventura. Mas ele não sabe tudo. Longe disso, na verdade. Os outros jogadores criarão personagens e as histórias de vida desses personagens. Os personagens dos jogadores assumirão a posição de protagonistas na história narrada pelo Mestre e as decisões que eles irão tomar ante os desafios impostos são o que vai determinar como a história se encaminha e acaba.

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Para jogar RPG, é necessário ler um livro, que contém as regras e a chamada ambientação – uma descrição detalhada do universo de fantasia do jogo e suas possibilidades. Assim, se por um lado romances são histórias fechadas, livros de RPG são fábricas de histórias. Eles fornecem todas as ferramentas que alguém precisa para criar suas próprias histórias no universo proposto. E se por um lado a literatura é um prazer solitário, o RPG depende de um grupo, estimulando a amizade e a interação social. Sobretudo porque, em geral, não se trata de um jogo competitivo, mas colaborativo, em que todos os personagens se unem para confrontar desafios e contar, juntos, a melhor história.

A parte das regras, chamada sistema, geralmente consiste em rolagens de dados para determinar o sucesso ou o fracasso de uma ação. O sistema existe para inserir aleatoriedade, de maneira que nenhum dos jogadores, nem mesmo o Mestre, possam determinar o que acontece com absoluta precisão. Muitos dos eventos em uma partida de RPG são, como na vida, determinados pela sorte. Assim, RPGs são jogos lúdicos que estimulam a criatividade, o trabalho em equipe e, em alguma medida, ensinam a lidar com a adversidade, que faz parte de qualquer história – principalmente das reais.

Tem para todos os gostos: aventura, fantasia, viagem no tempo, horror, investigação, mistério; e em praticamente todos os cenários: mundos fantásticos, outros planetas, dimensões paralelas. Você pode interpretar qualquer tipo de papel: um detetive, um feiticeiro, um super-herói, até mesmo um monstro, como um vampiro ou lobisomem. Qual seria a sua escolha? Eu posso dizer, pela minha própria experiência, que o RPG me deu os melhores amigos. E, graças a ele, eu me tornei um contador de histórias – e uma pessoa – muito melhor.

Mione Le Fay é carioca, formada em Jornalismo. Escritora, professora de informática, apresentadora e produtora de eventos. Apaixonada por livros e fotografias, encontra nesses nessas duas artes uma forma de mostrar tudo o que existe em seu mundo.

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