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A partir de hoje, o No Meu Mundo ganha mais uma coluna: o Cena Alternativa, em que vamos falar sobre filmes clássicos, antigos ou só diferentes do que estamos acostumados a ver no nosso dia a dia. Quinzenalmente, falaremos sobre obras marcantes, longa-metragens que atravessam (ou atravessarão) décadas ou filmes que apenas nos ajudam a fugir da mesmice. 

Para inaugurar a coluna, decidi escolher um dos grandes clássicos do cinema, que também é um dos maiores filmes de Woody Allen (e um dos meus favoritos). “Noivo Neurótico, Noiva Nervosa” (“Annie Hall”, no original) marca uma grande reviravolta na carreira de Allen, que, até então, só havia dirigido comédias pastelão. O filme, uma comédia romântica com tons de dramédia, conta a história de Alvy Singer (interpretado pelo próprio Woody Allen), um humorista que frequenta um psicólogo há quinze anos, que olha para o seu passado e procura entender quais foram os motivos que levaram a separação entre ele e Annie Hall (Diane Keaton, no papel que lhe rendeu o Oscar de Melhor Atriz), uma cantora em início de carreira com a cabeça um pouco bagunçada. No início, ambos estavam intensamente apaixonados, mas as crises conjugais logo tornaram o relacionamento complicado.

“Noivo Neurótico, Noiva Nervosa” é considerado o filme que marcou o amadurecimento de Woody Allen. O início de sua carreira foi tomada por vários besteróis e comédias rasgadas, sempre muito criativas e aclamadas por público e crítica, mas longe de chamar qualquer tipo de atenção especial. Com “Annie Hall”, Allen se firmou como o grande cineasta que viria a ser nos anos subsequentes, inovando ao trazer um humor depressivo e intelectual que se tornaria sua marca. Leve, divertido e complexo ao mesmo tempo, “Annie Hall” é não só uma das comédias mais engraçadas que eu já vi, como é um dos meus filmes favoritos de Woody Allen. Allen se esforça em demonstrar todos os casos e acasos de um relacionamento amoroso – as brigas, os momentos de reconciliação, as discussões que fazem um casal crescer, os problemas na cama… tudo, na visão ácida do diretor, se torna motivo para piada. E o mais interessante é a maneira como conseguimos identificar e trazer essas situações para a nossa vida, mesmo as mais absurdas. Criando cenas de chorar de rir, Allen conseguiu ser absurdamente introspectivo, ultrapassando as barreiras de uma simples comédia romântica.

No que tange a direção, é visível a influência que o cinema europeu teve sobre Allen – particularmente, o cinema de Ingmar Bergman, do qual Allen (assim como eu) é grande fã. Os longos planos-sequência conseguem tornar o roteiro ainda mais engraçado, e as cenas dramáticas, mais poderosas. Se você espera uma comédia de tirar o fôlego de tanto rir, “Annie Hall” é um prato cheio. Woody Allen e suas piadas sobre sexo, pessimismo, judeus e, claro, neuroses e manias aqui estão mais afiados do que nunca. São 90 minutos de gargalhadas sem parar, baseado num humor muito mais simples e, como no título, neurótico, mas não menos exagerado do que Allen tinha feito até então. Mas  “Annie Hall” é genial por ir muito além disso. Coisas do dia a dia, situações simples que todo mundo que já esteve apaixonado passou, se transformam em material para a análise crítica de Allen, que disseca os relacionamentos e os expõe de maneira crua. As vidas de Alvy e Annie se chocam, deixando muitas dúvidas no ar, e impedindo-os de se conectarem. Quantos casais passam por essa situação neste mesmo momento? Quantos casais não cozinharam lagostas juntos, e, depois que terminaram, nunca mais conseguiram cozinhar lagostas do mesmo jeito? Quantos casais não foram “maduros” em se afastar, mesmo que quisessem estar juntos? Afinal, como nas palavras de Alvy, um relacionamento é como um tubarão, que morre se não continuar nadando. Será que Alvy e Annie são um tubarão morto? Sempre com ótimo humor, sem perder uma piada sequer, “Annie Hall” nos deixa com muitas coisas para pensar, e nem todas são agradáveis.

“Noivo Neurótico, Noiva Nervosa” é, de fato, um filme revolucionário. Não só trouxe consigo um estilo direcional completamente estarrecedor para a época, como também impulsionou nova força para as comédias românticas. “Annie Hall” é um guia para os relacionamentos e para os romances em geral, influenciando vários filmes até hoje – “500 Dias Com Ela”, por exemplo, é claramente inspirado na ideia por trás de “Annie Hall”. Esbanjando criatividade e originalidade de roteiro, o que lhe rendeu Oscar de Melhor Direção, Melhor Filme e Melhor Roteiro, “Noivo Neurótico, Noiva Nervosa” é um filme obrigatório. Para qualquer um que desconheça a filmografia de Woody Allen, esta é a perfeita porta de entrada. Para aqueles que, como eu, já adoram o diretor, é sempre bom ver e rever Allen em uma de suas melhores obras.

Nota: 9/10
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Mione Le Fay é carioca, formada em Jornalismo. Escritora, professora de informática, apresentadora e produtora de eventos. Apaixonada por livros e fotografias, encontra nesses nessas duas artes uma forma de mostrar tudo o que existe em seu mundo.

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