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Desde o início de sua carreira, na década de 1990, o diretor Darren Aronofsky concebeu a ideia de fazer um filme sobre um lutador profissional e uma bailarina. O filme seria uma análise sobre a vida dos artista, sobre como a ideia da arte corporal pode ser cansativa, desumana e até mesmo cruel, uma vez que existem padrões de beleza e comportamento tanto para a luta quanto para o balé. Entretanto, quanto mais sua ideia se desenvolvia, mais Aronofsky percebia que haveria um problema em seu filme: ele seria “cheio” demais. Haveria muita informação, era muita história para contar, era praticamente impossível desenvolver dois personagens e dois mundos artísticos diferentes em tempo hábil. Então, Aronofsky decidiu fazer dois filmes completamente diferentes: um sobre o lutador e outro sobre a bailarina. O primeiro se tornou o aclamadíssimo “O Lutador”. O segundo, o assustador “Cisne Negro”.

E foi desse caso que lembrei vendo “A Escolha de Sofia”. Baseado no livro de William Styron filme, famoso por seu sentimentalismo e pela atuação memorável de Meryl Streep, conta a história de um jovem escritor sulista chamado Stingo (Peter MacNicol), que, em 1947, se muda para Brooklin, Nova York. Lá, ele conhece um casal completamente desfuncional: Nathan Landau (Kevin Kline), um carismático judeu de temperamento instável, e Sofia Zawistowska (Meryl Streep), uma polonesa sobrevivente dos campos de concentração nazista. Os três rapidamente se tornam melhores amigos, mas, à medida que o tempo passa, Stingo descobre os segredos de Sofia e as mentiras de Nathan.

“A Escolha de Sofia” se parece muito com o que aconteceria caso Darren Aronofsky não tivesse dividido “O Lutador” e “Cisne Negro” em dois filmes. O grande problema de “Sofia” é a falta de foco: existem duas histórias diferentes que quase não flertam uma com a outra, que são praticamente independentes. Estas histórias são o triângulo amoroso formado por Stingo, Nathan e Sofia, e o passado de Sofia sob o domínio dos nazistas. Uma se choca com a outra, e, por isso, nenhuma das duas é desenvolvida propriamente, chegando ao ponto de deixar a impressão de que as histórias estão se atrapalhando. Este é o porquê do espectador conseguir sentir cada minuto das duas horas e meia de duração de “A Escolha de Sofia”: a trapalhada do roteiro em organizar suas duas tramas de maneira que ambas sejam igualmente interessantes.

Não me entendam mal: o filme tem lá seus créditos para ser chamado de clássico. “A Escolha de Sofia” tem momentos absurdamente emocionantes e chocantes. O roteiro é, sim, bagunçado e inconsistente de maneira geral, mas o mesmo não pode ser dito em relação às cenas individuais, que trazem diálogos intensos, poderosos e emocionantes. Os diálogos são, na verdade, o ponto forte do filme, criando momentos excruciantes e cheios de sofrimento, como as várias brigas entre o trio principal e a experiência de Sofia com os nazistas. As cenas nos campos de concentração chegam a ser insuportáveis de tão sofridas, e, mesmo sem violência explícita, conseguem revirar nosso estômago, como a epônima escolha de Sofia. Nestas cenas, testemunhamos uma das melhores e mais viscerais atuações femininas da história do cinema. A performance de Maryl Streep chega a ser assustadora de tão perfeita. Seus olhares e expressões com certeza irão devastar o espectador, Kevin Kline, no papel de seu namorado Nathan, também não fica atrás, conseguindo assumir uma postura ora carismática, ora odiosa com imensa facilidade.

Eu não diria, de maneira alguma, que “A Escolha de Sofia” é um filme ruim. Sim, existem muitos problemas. Sim, a bagunça do roteiro incomoda. Sim, algumas cenas acabam se tornando exageradas, caricatas, previsíveis e inverossímeis no intuito de fazer o espectador se emocionar. E um pouco de foco para o filme também não faria mal. Ainda assim, eu não deixaria de indicar este filme para muitos de meus amigos. Certas cenas são tão memoráveis, com frases tão marcantes, que valem a pena serem vistas, bem como as atuações, que são simplesmente indispensáveis. E, apesar dos pesares do roteiro, a direção sensível de Alan J. Pakula e a fotografia genial de Néstor Almendros também fazem valer as duas horas e meia de filme. Talvez, “A Escolha de Sofia” funcione melhor nas páginas do livro de William Styron do que nas telas de cinema. Mas, pelo menos, a experiência com o filme é mais positiva do que negativa, e é isso o que importa.

Nota: 6,5/10

PS: Aos leitores fãs de cinema europeu, uma curiosidade: Liv Ullmann, grande atriz e musa de Bergman, também foi considerada para o papel de Sofia. Agora, me digam, como é que um mero mortal conseguiria escolher entre Streep e Ullmann, dois monstros da atuação? Essa escolha, sim, daria um baita filme.

Mione Le Fay é carioca, formada em Jornalismo. Escritora, professora de informática, apresentadora e produtora de eventos. Apaixonada por livros e fotografias, encontra nesses nessas duas artes uma forma de mostrar tudo o que existe em seu mundo.

One response

  1. Olá. Belo texto. Concordo absolutamente com você! Vi o filme no Netflix e fiquei extremamente entediado com as cenas passadas na América. O triângulo amoroso é um saco e não convence. Já as cenas na Europa são impactantes e inesquecíveis. Parecem realmente dois filmes separados. Não sou fã de Meryl mas esta é, sem dúvida, sua interpretação mais forte. De qualquer forma, que incrível teria sido Liv Ullmann com sua voz e olhar tão marcante neste papel…

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