Categories:

Uma discussão sobre os leitores vorazes, as adaptações de seus livros favoritos e onde há fundamento para a revolta de alguns e alegria de outros.

Antes de mais nada, eu queria dizer aqui: este artigo como um todo é uma opinião minha, puramente minha. Não tenho a intenção de ofender a opinião de ninguém aqui. Pode ser que até amigos dentro da equipe do blog discordem do que eu vou dizer aqui. Mas acho que, independentemente da sua opinião, caro leitor, ou da minha, esta é uma questão válida a ser levantada.

Sim, o cinema atual está tomado de adaptações. Disso ninguém nega. E isso pode ser bom ou ruim, dependendo do seu ponto de vista. Bom por que estamos vendo nossas obras preferidas ganhando vida e imagem. Ruim, por que nem sempre o resultado final é bem aquilo que imaginamos.

O problema é quando nós excedemos nosso papel como leitor e tentamos nos aventurar num território que não conhecemos nem dominamos. Não estou fazendo uma indireta – estou falando do cinema mesmo. Um filme é uma obra muito mais complexa do que um livro, ao menos em questão de produção. São centenas, e às vezes, milhares de pessoas envolvidas no processo de filmar, montar, editar e organizar aquelas duas horinhas que a gente passa dentro de uma sala escura. Há vezes em que mais de cem horas de material são filmadas – para no final virar aquelas mesmas duas horinhas que eu falei. É claro que nós, como público, temos o direito de julgar e formar uma opinião com base no que sabemos. Porém, há vários detalhes – principalmente em relação às adaptações já citadas –, que passam despercebidos por muitos nós, tanto que são poucos que pensam por um outro lado.

Um exemplo disso é o elenco. Muitos de nós temos nosso dreamcast, e, quando os atores de verdade são escolhidos, acabamos tão decepcionados que beiramos à revolta. “A Culpa É Das Estrelas” passou por isso com a escolha de Augustus Waters. Grande parte do fandom se armou para protestar contra Ansel Elgort, a maioria sob o mesmo argumento: que o “único” Augustus seria Joshua Anthony Brand – e muitos sequer sabem que ele não é um ator! Ele é só um modelo que foi escolhido para dar base à aparência do personagem.

É claro que ainda temos o direito de ficarmos decepcionados com Elgort. Eu, particularmente, adorei a escolha, mas é claro que alguns fãs podem ficar desapontados. Afinal, à primeira vista, ele não é realmente parecido com Augustus. Mas então paramos para analisar: ele é alto, magro como Augustus. Tem o mesmo cabelo ondulado. Tem o rosto inocentemente adulto que muitos atribuem ao personagem. Ele é aquilo que todos imaginavam? Não, mas as características estão fielmente ali.

A mesma coisa acontece com Jace, de “Os Instrumentos Mortais”. É claro que a escolha de Jamie Campbell-Bower causou estranheza. Ele não é exatamente o que as pessoas esperavam em relação à “beleza”. Sejamos honestos: o bichinho é feio. Ok, nem tanto, mas também não é bonito como as fangirls esperavam. Porém, segue o mesmo caso de Augustus: as características estão ali, dormentes. Ele é alto e magro, o que possibilita que seja ágil. Ele tem o cabelo denso e loiro que o faz parecer com um leão. E por aí vai. Mas talvez não seja nem mesmo a aparência que conte quando pensamos em Jamie: a melhor parte de sua escolha como Jace é que ele é um ótimo ator. É premiado e reconhecido pela crítica em seus pouquíssimos trabalhos. É um dos maiores nomes no Reino Unido. Sem dúvidas, é plenamente capaz de interpretar um personagem tão complexo e perturbado como Jace.

A questão é: muitos dos fãs não se conformam com esta escolha ainda hoje, quase dois anos depois. E a justificativa da maioria é a mesma: que o “único” Jace é Alex Pettyfer (percebem alguma semelhança com o discurso dos fãs de “A Culpa É Das Estrelas”?). Todo mundo pode e deve exercer sua opinião em relação ao descontentamento com determinado ator, mas, custa fazer uma escolhazinha melhor? Pettyfer faz parte do dreamcast de inúmeras sagas, e, no entanto, creio que os fãs só levem em conta mesmo a questão da aparência: o fato dele ser loiro, alto, bonitão e tal. Por que se forem considerar a atuação… Pettyfer é um dos atores mais criticados dos últimos anos – e, pessoalmente, eu o considero medíocre. A semelhança dele com o que Jace deveria ser não compensa uma atuação escrota. Se parecer com um personagem fosse sinônimo de boa atuação, bem, Kristen Stewart estaria feita como a Bella de Crepúsculo.

Esse é justamente um dos pontos que eu quero tocar: vale a pena escolher um ator ruim só por que ele é tão parecido assim com seu dreamcast? Vale a pena escolher alguém que não vai saber interpretar, e que muito provavelmente vai afundar o filme inteiro (sim, Pettyfer tem essa incrível habilidade) só por que ele é “bonitinho”? Só por que ele é a sua imagem do personagem? E não digo isso apenas em relação a “Os Instrumentos Mortais”. Digo isso para todos os fãs de todos os livros e sagas.  Principalmente por que temos um exemplo gritante de tudo isso que estou dizendo: “Jogos Vorazes”, que sofreu inúmeras críticas de fãs em relação ao cast antes de seu lançamento, e, quando o filme enfim saiu, todo mundo estava apaixonado pela Jennifer Lawrence e sua atuação, assim como pelo Josh Hutcherson. O que realmente importa? Um ator ruim/péssimo que possa estragar o filme (mesmo sendo parecido com o personagem), ou um ator bom que não seja tão parecido assim?

E é com essa pergunta que eu sigo para outra questão que aflige os leitores vorazes: a fidelidade da adaptação. Não vou me demorar fazendo dissertações, pedindo explicações, por que todos já sabemos o que isso significa. Vou direto ao ponto: a fidelidade é mesmo necessária? “Sim, é claro”, é o que alguns de vocês me responderiam. Mas vocês já pararam realmente pra pensar nisso?

O que eu vejo muita gente deixando passar despercebido é que o cinema e a literatura são artes diferentes. São meios diferentes. Existem inúmeras diferenças entre um e outro. E é por isso que nem sempre as adaptações podem ser completamente fieis a cada mínimo detalhe do livro. É por isso que, muitas vezes, o personagem que tropeça e quebra um galho na página 197 não vai tropeçar nesse momento durante o filme. Mas isso é motivo para a gente ralhar e dizer que é o pior filme já feito?

Eu vejo muitos argumentos assim. Muitos leitores desejam que o filme tenha 7 horas e seja fiel a cada palavrazinha do livro – sem brincadeira, já vi gente falando isso. Mas não dá. Simplesmente não dá. Existem coisas que são feitas em livros que não podem ser feitas no cinema. Existem situações que não combinam com as telonas, que são anticlimáticas… entendo que alguns queiram uma fidelidade 100%, mas, imagina um “Senhor dos Anéis” 100% fiel ao livro? Íamos passar cinco minutos só admirando a geografia da Terra-Média a cada estrada que os personagens passassem. E “Senhor dos Anéis” não é uma exceção, não. Todos os livros são assim. Todas as adaptações tem que fazer algumas mudanças, algumas pequenas, algumas grandes. É por isso que se chama “adaptação”: o cinema adapta uma história de uma arte para outra. Senão, o que sai não é um fi
lme, e sim um esboço feito para agradar somente os fãs, apenas eles e mais ninguém, que não vai ter cara nenhuma de filme. É uma produção de quatro horas chata, monótona, que todo mundo vai odiar. Imagina, só imagina um filme completamente fiel ao livro, em cada detalhe. Imagina o desastre que ia ser. Imagina um personagem falando o tempo todo: “Cruzei o corredor, que tinha tapetes vermelhos e papel de parede floral, e entrei na sala, que tinha luz verde, sofás grandes”… Talvez nem falando, mas mostrando. O tempo todo, mostrando. É inviável, gente! Não é assim que funciona. Nem os próprios fãs iriam gostar de um filme assim.

Um exemplo disso são os dois primeiros “Harry Potter”, que, apesar de serem bastante fiéis, desagradaram o público e a crítica. Existem até fãs que concordam que não é a melhor adaptação, e muitos cineastas criticaram os filmes – inclusive, Terry Gilliam, que foi a primeira escolha de J. K. Rowling para dirigir o filme. Mas aí veio “Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban”, uma adaptação muito menos fiel, que no entanto foi considerada como o melhor filme da saga por muito tempo. Da mesma maneira, a própria J. K. Rowling comentou que seu segundo filme favorito era “Harry Potter e o Enigma do Príncipe”, um filme adorado por grande parte do público mas criticado pelos fãs justamente por sua infidelidade. Isso é por que nem sempre o que conta é a fidelidade, mas sim a qualidade do filme.

É aqui que eu pergunto: o que importa mais? Um filme fiel que só você, como fã do livro, goste, ou um filme de qualidade com algumas mudanças? E também há uma pergunta mais complexa ainda: qual fidelidade é mais importante? A das cenas ou do sentimento? Você prefere um filme vazio que siga mecanicamente cada detalhe contado no livro, ou um filme um tantinho infiel que no entanto passe o mesmo sentimento? Se você prefere o segundo caso, J. K. Rowling também. A maioria dos autores prefere assim, por que eles sabem o que é importante: não as cenas, mas as mensagens. Um escritor não quer que você goste do livro dele só por que as cenas são legais. Ele quer que você goste da mensagem que ele está tentando passar. Senão, você é apenas um leitor fantasma, aquela pessoa que lê e não tira nada do livro. Você acaba sendo apenas alguém guiado pelo senso comum e sem opinião.

O que eu estou tentando dizer é: não se prenda à sequência do livro, às cenas, às situações. Não se prenda às palavras, e sim ao significado delas. Se prenda ao que esse livro está tentando te falar. Não importa se o cara não vai tropeçar no graveto que nem na página 197, o que importa é o que esse cara achou para sua vida, o que ele mudou, o que ele fez. Se você ignora tudo isso só pra se focar que ele não tropeçou no graveto, então você leu o livro de forma vazia, e viu o filme da mesma maneira.

Vocês podem achar que eu estou exagerando em relação ao graveto, mas não estou não. Eu já vi fãs que realmente passam por situações parecidas – mais especificamente, os fãs de “Jogos Vorazes”. Eu já falei aqui em outro artigo sobre a fidelidade extrema do filme – e isso foi bom, o filme ficou muito bom. Porém, certos fãs reclamaram dos detalhes – o fato da personagem Madge não ter dado o Tordo para a Katniss, ou o fato da Katniss não ter passado sede na Arena… Eu, como fã do livro, peço, honestamente: por favor. Vocês não entenderam nada do livro? Vocês sequer leram o livro de verdade? Ou só passaram as páginas e reconheceram as palavras? Vocês absorveram alguma coisa que o livro queria dizer? Por que, pelo que eu percebo, vocês acabaram lendo de maneira vazia. Se prendendo a detalhes sem importância em vez de verem o filme como ele é: uma obra de atuações magnificas, com uma crueza emocional (isto é, uma maneira única e verdadeira de passar emoções como a tristeza, o desespero e a esperança) rara de se ver. Um filme que é, como um todo, cruel, triste, emocionante, um soco no estomago. E vocês não perceberam isso, por que estavam se importando com um broche de tordo.

Mione Le Fay é carioca, formada em Jornalismo. Escritora, professora de informática, apresentadora e produtora de eventos. Apaixonada por livros e fotografias, encontra nesses nessas duas artes uma forma de mostrar tudo o que existe em seu mundo.

No responses yet

  1. Adoreiiiii,concordo plenamente.O filme é uma adaptação,não é fiel 100% ao livro.Vale mais um ator feio que lindo e que não sabe atuar.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *