Capítulo 01 - O Recomeço

Fazia 2h que o Sol já tinha nascido e todos em casa adormeciam, o silêncio no local era tão grande que eu podia ouvir os meus próprios pensamentos e eu não queria ouvi-los. Hoje eu estava tomando uma grande decisão, uma decisão que podia colocar em risco tudo, minha vida e a vida da minha irmã… Ou do que quer seja que ela se transformou, eu não sei se ainda existia um pouco de Camila naquele corpo, desde o ritual no sítio, eu sabia que Camila não era a mesma, que aquela coisa que ocupava o corpo da minha irmã, definitivamente não era ela. Eu não sei o que meu tio tinha feito ou o que ele tinha obrigado Camila a fazer, eu só sabia que das duas uma, ou minha irmã estava morta e algo tomou conta do corpo dela, ou minha irmã estava presa naquele corpo que era controlado por meu tio, como um mero fantoche… Seja lá qual das duas opções fosse a verdadeira, não era isso que Camila iria querer e eu precisava ajudá-la, salvando-a ou lhe dando a paz, porém eu não conseguiria fazer isso sozinha e é exatamente aí que as coisas complicavam.

Os únicos que eu sabia que poderiam ajudar, se tivesse um jeito de salvar a minha irmã era os agentes da Ordo Caelestis, restava saber se eles ajudariam, afinal eu era uma Ocultista, assim como Camila, eu mexia e fortalecia o Paranormal, basicamente a luta deles era contra pessoas como eu e Camila, então, porque me ajudariam?

Não que eu e Camila tivéssemos tido escolha, mas isso não importava, pessoas tinham morrido por causa do que a gente fazia, inclusive alguns agentes da Ordo , o que me fazia acreditar que eles nem mesmo me escutariam, mas não importava, entre ter uma mínima chance de salvar minha irmã e continuar para sempre vendo-a do jeito que está, eu escolheria salvá-la, mesmo que isso custasse a minha vida.

Peguei minha mochila, ali só tinha algumas peças de roupa, alguns itens para conjurar rituais, caso fosse necessário e o mais importante, um dos laptops do meu tio, que eu tentaria usar para negociar com os agentes Caelestis, já que eu não sabia se apenas me entregar seria o suficiente para eles salvarem Camila.

Guardei meu diário no qual tinha uma foto minha e da Camila sorrindo, eram poucos os momentos que a gente conseguia tirar uma foto sorrindo assim de forma verdadeira, mas aquela foto seria o que me manteria focada no meu plano. Troquei de roupa, uma calça jeans rasgada, uma blusa preta e um casaco de moletom amarrado na cintura, não estava tão frio no dia, mas eu não sabia quanto tempo eu iria ficar na rua, por fim amarrei a bandana de Camila no meu pulso esquerdo, calcei meu tênis e tomando cuidado para não ser ouvida, eu me esgueirei pela janela, torcendo para que aquela fosse a última vez que eu visse aquela casa, e que da próxima vez que visse minha irmã, fosse longe dali, em um lugar seguro.

Evitando ao máximo fazer barulho eu consegui sair sem muitos problemas, a forma que meu tio me impedia de fugir não era por trancas, cadeados e chaves e sim por chantagem, mas ele já tinha tirado tudo de mim, então não é como se eu tivesse mais o que perder.

Já na rua eu caminhei por alguns minutos até conseguir pegar um Táxi. Eu não sabia dizer onde ficava localizada a sede dos agentes da Ordo Caelestis, mas eu sabia onde um deles morava e foi esse endereço que passei ao motorista.

Ricardo era um amigo de infância, ele estudou junto com Camila e eram grandes amigos, como eu era sempre mais tímida, não levava muito jeito para fazer amizade e acabava sendo amiga dos amigos da minha irmã. Perdemos o contato com Ricardo quando ele mudou de escola ao entrar no Ensino Médio e por alguns anos eu fiquei sem ouvir falar dele, até que ele se tornou um dos alvos do meu tio por ter se tornado um agente da Ordo Caelestis, por sorte, mesmo meu tio tendo o endereço de onde Ricardo estava morando, ele nunca conseguiu feri-lo.

Eu não sabia a reação de Ricardo quando eu simplesmente aparecesse na casa dele, nem sei se ele estaria em casa ou se aquele era o endereço real dele, mas eu precisava tentar a sorte, não tinha me sobrado muitas opções.

uando o Táxi parou percebi que estava em um bairro que aparentemente não era tão seguro, o prédio em que Ricardo morava poderia facilmente passar despercebido, pois a portaria ficava praticamente escondida entre duas grandes lojas. Havia apenas um botão escrito “portaria”, eu apertei o botão e passados alguns minutos eu escuto uma voz gritar.

– Já estou indo!!!!

Eu aguardo alguns instantes e logo aparece um homem com uma cara fechada e um pouco intimidadora, ele segurava um molho de chaves na mão e vestia uma blusa social azul, calça preta e sapatos pretos.

– Essa porcaria, nunca funciona… Não sei porque ainda fazem manutenção, uma campainha faria a mesma função desse troço – O homem se aproxima resmungando –  Desculpa aí, mas o interfone parou de funcionar de novo, o que você quer? – Ele pergunta olhando para mim.

– Eu vim falar com o Ricardo no 709 – Eu respondi. – Me chamo Alice.

– Infelizmente você veio na hora errada, ele não está em casa, na real, normalmente ele nunca está em casa.

– Eu sei, ele sempre foi um cara ocupado. – Respondi com um plano se formando na minha cabeça. – Desde a época que a gente estudava junto ele era assim, parecia que tinha alergia a ficar em casa. – Falei dando um sorrisinho. – Eu vim aqui na cidade pois estou pensando em estudar para essas bandas e o Ricardo disse que eu poderia ficar no apartamento dele, ele me falou que se ele não tivesse em casa quando ele chegasse, que eu poderia esperar no corredor, já que ele me disse que o bairro é um pouco perigoso.

Uma das coisas que meu tio me ensinou foi sobre como enganar as pessoas, ele fazia isso tão bem que ninguém ao redor da nossa casa sabia o que ele fazia comigo e minha irmã, por isso, restava saber se o porteiro iria cair ou não na minha lábia.

O porteiro me olhou dos pés a cabeça e olhou ao redor, eu podia ver que ele parecia pensativo se acreditava em mim ou não.

– Moço, por favor, eu espero aqui na portaria se for o caso. –  Me aproximei da porta e falei baixo. – Eu to com meu laptop na mochila, com todo meu trabalho, se eu perder isso, to ferrada.

Eu tentei fazer uma cara de pobre coitada e pelo visto deu certo, o homem abriu a porta.

– Tá bom, tá bom… Mas se reclamarem de você fazendo algazarra no corredor eu vou ter que te expulsar…

– Obrigada, ninguém nem vai perceber a minha presença. – Respondi entrando no prédio.

Okay, agora eu já estava no prédio do Ricardo, era só torcer para ele não demorar muito a aparecer e me escutar. Seria bom se quando Ricardo chegasse já tivesse ocorrido a troca de turno dos porteiros, pois com certeza essa mentira iria fazer com que minha proposta já começasse com o pé esquerdo.

Cheguei no 7º andar do prédio e resolvi chamar menos atenção possível, me sentei na escada que dava para o 8º andar, dali dava para ver a porta do apartamento 709, então era só esperar Ricardo chegar.

Não sei ao certo quanto tempo passei ali, mas minha barriga começou a reclamar, consegui pegar uma barrinha de cereal na mochila e comi devagar, para enganar a fome, eu devia ter me preparado melhor quanto a isso, ter tomado um café da manhã antes de vir para cá, mas agora teria que esperar, afinal não sei se conseguiria enganar novamente o porteiro, não queria abusar da sorte.

O tempo todo que estive ali sentada, apenas duas pessoas passaram pelo corredor, um senhorzinho que deu um sorriso me cumprimentando e uma mulher que estava tão apressada que nem me viu ali.

Mais um tempo se passou quando eu senti a presença de alguém atrás de mim, mas não tive tempo de me virar para ver pois logo senti algo sendo encostado na minha cabeça por trás.

– Mãos onde eu possa ver. – Escutei uma voz atrás de mim.