“Queda livre“: a morte social e o surgimento de uma nova síndrome
Você já imaginou se tudo na sua vida dependesse de curtidas nas redes sociais? Você já pensou se seu emprego, se o aluguel ou a compra da sua casa, se seu assento num avião, se sua entrada nos lugares e em filas especiais, se suas amizades e relações interpessoais e se tudo mais dependesse de “likes”? Pois é, esse é o universo em que vive a personagem Lacie.
A vida de Lacie começa sendo mostrada como se fosse uma mentira. Assim como muitos já fazem hoje, ela passa a vida em busca de curtidas, postando fotos de comida que ela não gosta (com a legenda “maravilhoso”), bajulando pessoas que ela pouco conhece, curtindo fotos de pessoas que ela desconhece e tentando agradar a todos que pudessem aumentar sua popularidade.
Lacie tem, num ranking de 1 a 5 estrelas, uma classificação de 4.2 e precisa conseguir 4.5 para obter um desconto para alugar uma excelente casa (fora da sua realidade financeira) e, assim, aumentar ainda mais suas curtidas. Ela chega até a contratar uma empresa de promoção da imagem, a qual a aconselha a cercar-se de pessoas de alta popularidade. Era um ciclo sem fim da espetacularização do eu.
Então, ao curtir as fotos de sua super popular amiga de infância (que tinha uma classificação na casa de uns 4.8), Lacie consegue ser convidada para o casamento dela, aproximando-se do seu objetivo de conseguir ainda mais “likes”. O plano seria fazer um discurso no casamento da amiga e, com isso, ser virtualmente ovacionada com curtidas.
Tudo começa a dar errado quando Lacie vai pegar um avião para viajar ao tal casamento e acaba tendo seu voo cancelado por motivos técnicos (o que lhe renderia um impopular e inconcebível atraso). Ela, consequentemente, termina se exaltando, fazendo com que as pessoas no aeroporto começassem a dar “dislikes” para ela. Como resultado disto, Lacie acaba descendo vertiginosamente, em queda livre no ranking, sendo impossibilitada de pegar o próximo avião. Para completar, ela ainda é expulsa do aeroporto. Após alguns outros contratempos, ela acaba despencando mais e mais no ranking, terminando destruindo sua vida social e sendo, por fim, desconvidada para o casamento.
Não obstante, Lacie decide que ainda assim ela iria invadir a festa (que, a propósito, aconteceria dentro de um condomínio que só permitia a entrada de pessoas com 3.8 para cima). Nessas alturas do campeonato, Lacie estava abaixo de 3.0…
Ao invadir a festa e fazer um discurso sincero e sem papas na língua, ela acaba sendo presa e perdendo seu acesso à rede social. E eis aí a jogada de mestre da história: é estando presa que Lacie consegue se libertar, podendo gritar, ofender, xingar e falar tudo o que ela pensava, sem precisar se preocupar com sua popularidade, já com pouquíssimos “likes”, como num perfil de uma “maníaca anti-social”.
Fica evidente, portanto, trazendo o assunto para os dias de hoje, a dependência das pessoas por tecnologia. Inclusive, essa síndrome já tem até um nome: FoMO (fear of missing out – ou medo de perder algo). Checar a internet toda hora, ansiedade para compartilhar novidades, sentimento de competição para chamar mais a atenção do que o outro nas redes sociais podem ser sintomas de FoMO. A questão é que já existe toda uma indústria que fomenta esses hábitos e que incorporaram tais práticas ao mercado, fazendo com que muitos já ganhem benefícios e bens materiais ou que até já tenham uma renda provinda de “likes” e visualizações. Chega-se, então, à conclusão de que caminhamos a um nível mais “sick” do capitalismo e do fetichismo social. Depois de tantos códigos artificiais que fazem de nós uma espécie doente por atuação, acabamos de ganhar mais uma doença que, como mostrada no episódio Queda Livre, de Black Mirror, pode nos conduzir a um modo de vida ainda mais insano num futuro próximo.
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