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Você já percebeu algum casal se tornar o queridinho do momento na TV? Já percebeu, também, alguma fala decorada do tipo “no céu tem pão?” ser dita em entrevistas? Ou já percebeu a extravagância, tanto no comportamento quanto no penteado e no jeito de se vestir, de celebridades ou de pessoas de um meio social mais “artístico” e mais elevado?

Em Jogos Vorazes, que, nesse ano, completa 10 anos, a mídia é mostrada como um forte instrumento de dominação das massas, sendo usada por um ditador, o presidente Snow, para legitimar o seu jogo anual de vida ou morte, em que dois participantes são escolhidos, de cada um dos 12 distritos, para o “mata-mata” de “resta um”. Contudo, nenhum jogador é escolhido dentre os habitantes da Capital; ao contrário, eles apenas exercem o papel de telespectadores, vendo o sacrifício alheio.

Sobre os distritos: eles são lugares paupérrimos, em que a população vive na miséria, trabalhando duro para manterem-se, enquanto que, na Capital, a população privilegiada vive na mais perfeita harmonia e abundância – bem similar às vésperas da Revolução Francesa.

Sobre o jogo: ele era uma forma de intimidar a população – que há muito tempo havia se rebelado – a fim de relembrá-los quem detinha o poder e de que eles teriam de pagar eternamente pela rebelião. O jogo seria, portanto, transmitido para toda a população do lugar fictício, chamado Panem, tal como um reality show, que contava com a audiência das pessoas.

“Se ninguém assistisse, não haveria jogos.” Essa foi a fala de um dos personagens logo no início. E, talvez, ainda pudéssemos complementá-la: Se ninguém assistisse, não haveria jogos; e, talvez, também não houvesse manipulação e sacrifícios em vão. A questão é que as pompas investidas – há até um momento em que os jogadores desfilam em bigas, que são carros de guerra movidos a cavalos – e o talking show que faz a apresentação do jogo, banalizam a tragédia dentro da arena, tornando seus personagens uma espécie de ratos de laboratório, cujo objetivo, para sobreviver, é, o tempo todo, cuidar da própria imagem, a fim de conseguir patrocinadores e aliados.

“Faça os patrocinadores gostarem de você.” Essa foi a dica que a participante Katniss, definitivamente, não conseguia seguir, devido ao seu caráter duro e verdadeiro. Mas, com o desenrolar da história, ela fora obrigada a se render a uma relação amorosa falsa, com objetivos publicitários, com Peeta, o outro participante do seu distrito. Sendo assim, “os amantes desafortunados” passa a ser a forma com que decidem vender a imagem deles. “É um programa de TV”, declara um dos personagens durante uma das conversas.

O interessante é ver que, em alguns momentos, a personagem parece, de fato, ter se corrompido à vida de mentiras da Capital. Ela, inclusive, mente quando o apresentador a indaga sobre o que ela havia sentido quando encontrou Peeta no rio [depois de ter se perdido dele e ter ficado procurando-o por horas: “eu me senti a pessoa mais feliz do mundo. Eu não poderia viver sem ele”, e conclui. Ainda assim, ela consegue se tornar um ídolo perante as pessoas, tanto dos distritos quanto da Capital, inclusive as crianças, que, até mesmo, o seu penteado elas copiavam (e copiar penteado de um ídolo ainda é super comum no nosso país, não é?).

Enfim, um casamento acabou sendo forjado entre Peeta e Katniss, para que eles pudessem passar uma imagem de conivência com o sistema da Capital. Mas, antes disso acontecer, muitos levantes começam a ocorrer nos distritos e ela e Peeta terminam enviados de volta para os jogos.

O interessante, também, é que, quando Katniss diz ao namorado que os distritos estão se revoltando, ele demonstra não saber de nada, provando que a censura não deixava a informação se espalhar, a fim de conter um possível levante. Ou seja, nada muito diferente daqueles países cujos meios de comunicação são diretamente controlados e monitorados pelo Estado.

Outro ponto que vale a pena citar foi a ação militar truculenta, que mostrou o lado sujo das forças armadas quando elas são usadas contra a população, provando que elas não estão a serviço da massa, mas sim da elite política do país em primeiro lugar – afinal, até mesmo os jogos são o próprio reflexo de que o povo tem de ser jogado um contra o outro. Mais interessante ainda foi quando se revelou o título que se dava aos soldados: eles eram chamados de “pacificadores” (isso faz você lembrar de algo sobre UPPs?).

E é quando Katniss tenta proteger seu namorado de um pacificador violento que o está agredindo, que ela acaba tendo suas imagens, desse momento flagrado, se espalhando em apenas 5 segundos – sendo esta, portanto, uma menção à rapidez da viralização virtual de informações.

Por fim, nesse jogo onde “há sobreviventes, não vencedores”, quando ele foi destruído, um núcleo de mentes pensantes da oposição queria usar Katniss como “a cara da revolução”, a fim de motivar as pessoas, através de propaganda, a se unirem e a lutarem contra a capital. Há, também, um momento em que o presidente Snow prefere não chamá-los de rebeldes, para não os legitimar, preferindo chamá-los de radicais e criminosos, alegando que a Capital era a verdadeira mantenedora da paz e da ordem (faltou só a palavra “progresso” para completar a coincidência).

Concluindo, a mesma Capital que havia bombardeado um hospital e matado a todos os inocentes – nada diferente do que vemos em bombardeios promovidos por grandes potências em países assolados pela guerra, – também resolveu bombardear crianças à sua porta, incitando mais ainda o povo contra o governo, levando seu regime à queda. Contudo, ninguém contava que existia, na verdade, outra pessoa por detrás desse último bombardeio; era alguém que queria fazer parecer que ele havia sido promovido por Snow, a fim de alimentar ainda mais o ódio da população contra o ditador, para tomar o seu lugar no posto de autoridade máxima; mas, nesse quesito, ele era inocente… Neste ponto, o mais interessante é pensar que, em guerras que vemos hoje em dia, a autoria do uso de armas químicas e outros crimes de guerra (que mataram, igualmente, milhares de crianças) nunca foram comprovados totalmente. E, mais uma vez, a distopia se fez contemporânea a nós; afinal, vivemos diariamente nossos jogos vorazes.

Evento de Jogos Vorazes
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Mione Le Fay é carioca, formada em Jornalismo. Escritora, professora de informática, apresentadora e produtora de eventos. Apaixonada por livros e fotografias, encontra nesses nessas duas artes uma forma de mostrar tudo o que existe em seu mundo.

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  1. show…irei assistir jogos vorazes por conta da análise contemporânea tão atual. Realmente vivemos nos jogos vorazes do século 21.

  2. Adorei a análise! É realmente muito parecido com um país que conhecemos… e, se continuar desse jeito, não demora para virarmos uma nova Panem.
    As críticas que os livros fazem sobre a sociedade são fantásticas! É uma das minhas sagas favoritas! <3

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