Brasília, 1973. Renato (Thiago Mendonça) acabou de se mudar com a família para a cidade, vindo do Rio de Janeiro. Na época ele sofria de uma doença óssea rara, a epifisiólise, que o deixou numa cadeira de rodas após passar por uma cirurgia. Obrigado a permanecer em casa, aos poucos ele passou a se interessar por música. Fã do punk rock, Renato começa a se envolver com o cenário musical de Brasília após melhorar dos problemas de saúde. É quando ajuda a fundar a banda Aborto Elétrico e, posteriormente, a Legião Urbana.
Quando entrei no cinema para ver “Somos Tão Jovens”, estava um tanto dividido e duvidoso. Por um lado, eu estava entrando para ver uma cinebiografia de Renato Russo, o que por si só já é um baita ponto positivo. Por outro, o cinema brasileiro dos últimos anos não é lá conhecido pela qualidade. Até uns dez anos atrás, quando o cinema nacional era sinônimo de filmes como “Cidade dos Homens”, “Carandiru”, “Bicho de Sete Cabeças” e “Central do Brasil”, as coisas iam muito bem, e os talentos nacionais eram reconhecidos internacionalmente, até mesmo pelo Oscar! Mas, a partir daí, nosso cinema decaiu para filmes clichês e americanizados, principalmente comédias sem conteúdo, como “Se Eu Fosse Você”, “De Pernas Para o Ar” e “O Homem do Futuro”. Foi uma pena, por que nossa cultura tem muito potencial cinemático, mas a Globo Filmes decidiu investir em fórmulas batidas, sem intenção de fazer uma obra de qualidade e sim uma obra que gerasse dinheiro.
Então, imaginem minha reação ao perceber que “Somos Tão Jovens” é um filme lindo, quase perfeito, e definitivamente um dos melhores filmes brasileiros dos últimos dez, vinte, trinta anos. Primeiro, por ter uma história forte – Renato Russo e a Legião é outro nível, né. E depois, por ter um IMENSO comprometimento artístico, arriscando em técnicas como direção, roteiro, música incidental, entre outras, diferente de grande parte do que já foi feito no país.
O ponto forte do filme foi justamente o fato de que este não se vendeu, como outros filmes da Globo. “Somos Tão Jovens” não usa nenhuma fórmula, nem tem a pretensão de ser um filme perfeitinho em todos os sentidos. Pelo contrário. Tudo – absolutamente tudo no filme – tem um estilo de documentário, isto é, as cenas foram gravadas de maneira espontânea. O roteiro foi escrito para ser parecido com nossa fala do dia-a-dia, sem aquelas frases elaboradas e geniais de filmes como “Homem de Ferro” e afins; como eu disse, o filme foi feito de maneira espontânea, realmente para retratar a vida de Renato de maneira cotidiana. A direção também investiu nisso: fugindo do convencional, o filme foi dirigido com ampla utilização da técnica de “câmera tremida” para dar noção de movimento e bagunça – o rock em si! –, além de reforçar o estilo documentário do filme.
Outra questão interessante é que o filme se afasta dos padrões blockbuster, que tem inicio, meio e fim. “Somos Tão Jovens” se aproxima muito mais do cinema independente, do qual, confesso, sou fã. O filme não tem interesse em contar toda a vida de Renato, como biografias convencionais. A proposta, desde o início, foi mostrar sua vida diante da música. Então, em vez de mostrar desde seu nascimento até sua morte, o filme retrata apenas os anos desde que Renato descobriu a música (após um acidente em que teve que ficar de cama por meses) até o momento em que o Legião Urbana encontrou fama. O filme acaba aí, pois, a partir do momento em que Legião faz sucesso, todos sabemos mais ou menos a história.
Desta forma, o filme gira ao redor do que era mais importante para Renato: a música. Começar o filme com Renato já adulto e terminar no momento em que ele alcança a fama foi uma maneira um pouco arriscada de contar sua história, mas deu certo. Até por que, um filme biográfico não precisa, necessariamente, contar uma vida toda, e sim se focar num só período a ser explorado. Com uma hora e quarenta, o filme explora com louvor s cinco ou seis anos que se propôs a explorar. Por isso, não há clímax – é uma biografia, por que teria de ter clímax? De tal forma que o filme está muito mais comprometido em fazer um trabalho de qualidade do que em ser só mais um filminho nacional, comum e batido.
Artisticamente falando, essa foi uma vitória do filme. Mas não é só isso: a técnica também se superou. Já falei da direção e do roteiro acima, mas não mencionei as homenagens. O filme é cheio de passagens sublimes que só um verdadeiro fã pode perceber. Na direção, em vários momentos, a imagem fica cheia de ruído, num tom de sépia, para dar aquela sensação de que estamos vendo uma gravação dos anos 80. Isso sem contar vários diálogos, que incorporam trechos de músicas como “Tédio Com Um T Bem Grande Para Você”, “Eduardo e Mônica”, “Eu Sei”, “Que País É Este?”, entre outras. No inicio, esses diálogos são um pouco forçados, pois parece que encaixaram esses trechos de qualquer jeito. Mas depois de uns dez ou quinze minutos de filme, a gente pega o ritmo, e cada referência se torna mais um golpe de nostalgia.
Agora, já falei muito das técnicas, da questão de como o filme foi feito, etc. Mas e a história? Ela vale a pena? Sim, claro que sim! “Somos Tão Jovens” é incrível. Podemos ver toda a ousadia, a complexidade e as dúvidas de Renato. O melhor de tudo é que o filme não tentou santificar Renato Russo e mostrá-lo como uma figura perfeita. Mostrou como um jovem indeciso, influenciável, cheio de sofrimento e muitas vezes egoísta. Alias, palmas para Thiago Mendonça, o interprete de Renato, que atuou magnificamente, pegando todos os maneirismo do músico, desde o modo de falar até seus gestos e olhares, sem contar as cenas mais emocionais, em que Mendonça quebra seu coração milhares de vezes por segundo. Chorei, e muito, no momento em que ele tem que dar adeus para seu amigo, o primeiro guitarrista do Aborto Elétrico, ao som de “Por Enquanto”, minha música preferida do Legião. Palmas para o resto do elenco também. Todas as performances foram memoráveis e intensas. O incrível é que nenhum dos atores é bem conhecido. Isso serve para mostrar a quantidade de bons atores que estão sendo desperdiçados, enquanto outros estão fazendo novelas que não os desafiam como profissionais.
Outra questão que me impressionou bastante foi a maneira como foi retratada a bissexualidade de Renato. Apesar dele ser assumido e de ter composto vários músicas sobre o assunto, hoje em dia são poucos os que sabem que ele era, de fato, bissexual. Num país essencialmente homofobico e machista, o filme não teve medo de mostrar de forma dramática (e muitas vezes triste e destruidora) todas as dúvidas e repressões de Renato, desde a primeira decepção (que é absolutamente desesperadora; novamente, Thiago Mendonça se entrega na atuação e despedaça nossos corações) até encontrar o amor. Claro, não há cenas explicitas, como um beijo, mas só o fato de terem retratado uma relação homossexual sem clichês de drag queen como vemos em novelas já é uma vitória. Não há cenas explicitas, mas o filme deixa bem claro o que está acontecendo. A emoção e a relação estão ali, sugeridas, mas plenamente existentes.
No final, a sensação que temos sobre “Somos Tão Jovens” é de vitória. O filme quase não tem nenhuma falha, nenhum escorregão. Cada detalhe, desde a direção, a atuação, o roteiro, são perfeitos e diferentes. Saímos do cinema com a sensação de que a história nunca terminou, que Renato ainda está entre nós; e quando somos abatidos pela realidade de que não está, desejamos que estivesse. Este é um filme altamente emocional, altamente artístico e extremamente envolvente. Para aqueles que não conhecem a história, é um ótimo drama. Para os fãs, é um prato cheio, mostrando detalhes, pequenos detalhes que só quem é realmente fã reconheceria, como a veneração de Renato pelos Beatles, sua história como Trovador Solitário, o encontro com Dinho (do Capital Inicial) e Hebert Viana (dos Paralamas do Sucesso), o infame show do Aborto Elétrico em que o baterista atira sua baqueta contra Renato e até mesmo as participações especiais dos filhos de Villa-Lobos e Bonfá.
Enfim, “Somos Tão Jovens” é um filme lindo, absurdamente lindo. Um dos melhores filmes brasileiros dos últimos anos, junto com “O Som Ao Redor”, e com certeza um dos melhores filmes de 2013 a nível internacional. É difícil de acreditar que o mesmo país que perde tempo fazendo (e vendo) filmes como “De Pernas Para o Ar” consegue fazer algo tão genial como “Somos Tão Jovens”. Não duvido que a história de Renato acabe, no mínimo, como pré-selecionado para a indicação ao Oscar de Filme Estrangeiro.
NOTA
9,5
PS: Algumas das primeiras críticas encontraram problemas com a falta de foco nos personagens secundários. Não mencionei isso na resenha por que não queria fugir do assunto e também não queria questionar a opinião de outras pessoas, mas, ainda assim, tenho que falar ao menos um pouquinho sobre esse assunto. Considero essas críticas um tanto sem lógica, até por que o filme inteiro foi contado sob o ponto de vista de Renato, de maneira parecida com “Cisne Negro”, que também é “narrado” do ponto de vista do personagem principal, como um livro em primeira pessoa. Dessa forma, o filme se concentra no que Renato viu e no que Renato sentiu. Nada mais é importante. Então, não faz sentido desenvolver os personagens secundários. Primeiro por que Renato não “viu” nem “sentiu” esse desenvolvimento, e segundo por que iria desmistificá-los, isto é, tirar a magia das surpresas. Nós conhecemos estes outros personagens a partir dos olhos de Renato, e é assim que tinha de ser.
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Querida, o filme, Renato e a Banda não era tão perfeitos assim, entendo seu lado de fã, mas o filme erra em alguns fatos grosseiros.
“O Homem do Futuro”, sem comteúdo? Você está brincando! Típico que quem nunca viu o filme e plagiou um crítica negativa. Eu até concordo que “Se Eu Fosse Você” e “De Pernas Para o Ar” deixam a desejar, mas “O Homem do Futuro” é muito mehor, com atuações bem melhores, uma estória bem mais interessante, que tem várias nunces além de ser uma comédia.
Você já deve ter visto este filme de 2013 para cá e provavelmente mudou de opinião. Se não mudou, o problem é você e não o filme.